Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, abril 24, 2011

A roda da gastança

RIO DE JANEIRO (RJ) – LIBERDADE para gastar continua sendo um dos objetivos do governo Dilma Rousseff (2011-14), como comprova o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) enviado ao Congresso Nacional na última Sexta-feira, 15. Partes do projeto servem claramente a esse objetivo, nada surpreendente, afinal, em vista das eleições municipais programadas para 2012. Outras partes são ambíguas: apontam para uma gestão mais flexível das finanças públicas, mas também abrem espaço para manobras político-eleitorais. Essa LDO definirá as linhas principais do primeiro orçamento federal produzido na atual gestão. A presidente poderia ter-lhe conferido um valor simbólico positivo, apresentando-o como primeiro grande passo para o cumprimento de seu compromisso com a seriedade fiscal - aquele compromisso enunciado no dia de sua posse.

PARA começar, o projeto é baseado em pressupostos muito discutíveis. Há uma aposta muito otimista no resultado da política anti-inflacionária. As projeções apontam uma inflação de 5% em 2011 e de 4,5% em cada um dos três anos seguintes. Há menos de um mês, o Banco Central do Brasil (BC) projetou 5,6% para este ano em seu cenário de referência e 5,5% no cenário alternativo. Em qualquer dos casos, o ponto central da meta, 4,5%, só será alcançado no fim de 2012 ou no começo de 2013.

ANALISTAS do mercado financeiro e de consultorias de renome também se mostram menos otimistas que os autores do projeto da LDO: inflação de 6,29% neste ano e de 5% no próximo, com crescimento de 4% em 2011 e 4,25% em 2012. De toda forma, a LDO certamente subestima o custo econômico de levar a inflação anual para 5% até Dezembro deste ano e para 4,5% nos doze meses seguintes. A conta simplesmente não fecha.

MAS o projeto da LDO seria menos preocupante, se só os pressupostos macroeconômicos fossem discutíveis. Se todas as partes agissem de boa-fé, tudo se resolveria com uma revisão dos números e uma adaptação do projeto aos novos cálculos. Mas a questão, muito mais do que técnica, é política.

O GOVERNO pretende, por exemplo, liberdade para realizar investimentos, no próximo ano, mesmo sem dispor de um orçamento aprovado pelo Congresso Nacional. O projeto de lei orçamentária deve ser aprovado até o fim do ano, em princípio, mas atrasos têm ocorrido com frequência. No Brasil, já se chegou a passar todo o primeiro semestre sem um orçamento federal em vigor.

APESAR disso, o governo mantém certo nível de atividade, porque algumas despesas, como o pagamento do pessoal, são mantidas. Não chega a ocorrer uma paralisação do governo. A consequência de um atraso é muito menos dura no Brasil do que nos Estados Unidos da América (EUA) - certamente porque no Brasil o orçamento é levado muito menos a sério do que nos países politicamente mais desenvolvidos.

MAS a tentativa do Poder Executivo de conseguir a liberação de verbas de investimento mesmo sem dispor de uma lei orçamentária envolve duas consequências perversas: desmoraliza ainda mais o orçamento e dá ao Poder Executivo mais uma vantagem diante do Congresso Nacional.

IGUALMENTE ruim para a democracia - porque enfraquece o sistema de regras e de controle - é a pretensão do Poder Executivo de continuar a execução de obras mesmo quando sinais de irregularidades são apontados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Esse avanço já ocorreu no ano passado e o governo pretende mantê-lo. Pela regra negociada em 2010, cabe à Comissão Mista de Orçamento decidir se a execução será mantida. O controle se enfraquece e a moralidade administrativa fica na dependência dos humores dominantes na comissão naquele momento.

O GOVERNADOR pretende manter também o poder de descontar da meta de superávit fiscal o valor investido no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Isso é uma forma de falsificar o resultado fiscal.

A PRETENSÃO do Poder Executivo de reduzir os itens blindados contra cortes pode ser positiva, se resultar em maior flexibilidade e maior racionalidade no uso de recursos. Mas o resultado pode ser simplesmente maior liberdade para manejar verbas com objetivos partidários e eleitorais. A experiência aponta esta segunda hipótese como a mais provável.