Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, abril 14, 2011

O surto inflacionário e as fantasias de Mantega

A CARA de paisagem exibida pelo ministro de Estado da Fazenda, Guido Mantega (PT-SP), é estarrecedora diante do evidente surto inflacionário e das condições nada invejáveis das contas públicas brasileiras. Mantega tem fracassado seguidamente nas tentativas de enfrentar alguns dos mais prementes problemas, como o ingresso maciço de dólares. O anúncio de cada nova barreira é seguido de mais uma enxurrada de moeda norte-americana e de mais uma rodada de valorização do real. Nada parece, no entanto, abalar seu otimismo e sua aparente confiança no sucesso de todas as suas políticas. Na última Sexta-feira, 08, o ministro de Estado da Fazenda voltou a prometer, num discurso em São Paulo (SP), medidas para conter o crescente desajuste cambial, como se as suas palavras desestimulassem os especuladores. Não parece haver percebido um fato muito simples: a reação normal dos jogadores a cada nova ameaça é antecipar seu lance e agir mais prontamente que o governo.

PORÉM o mundo fantástico de Mantega tem muitas outras maravilhas. Segundo ele, "o governo não titubeará em adotar medidas para ter a inflação sob controle". As autoridades, acrescentou, pretendem evitar o contágio de outros setores pelo aumento dos preços das commodities. Mantega pode não ter notado, mas, no Brasil dos cidadãos comuns, o contágio há muito deixou de ser um risco hipotético.

ENQUANTO Mantega discursava em São Paulo, naquele dia, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgava no Rio de Janeiro (RJ) o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), pesquisado em sete capitais. O aumento foi de 0,89% nos 30 dias terminados em 7 de Abril. No fechamento de Março havia sido de 0,71%. Em Fevereiro havia ficado em 0,59%. O contágio tem sido claramente confirmado pelo chamado índice de difusão. No período encerrado na primeira semana de Março, 63,34% dos itens haviam ficado mais caros. No fim do mês, esse índice havia chegado a 68,04%. Segundo a apuração recém-concluída, o surto inflacionário contaminou 68,33% dos bens e serviços incluídos na pesquisa.

A INFLAÇÃO brasileira, segundo insiste Mantega, é essencialmente um reflexo da valorização internacional dos produtos básicos. Mas ele decidiu, talvez por segurança, elevar de 1,5% para 3% o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente no crédito ao consumidor. Desde o ano passado muitos especialistas vinham apontando a rápida expansão do crédito como um fator inflacionário.

A REAÇÃO do governo foi demorada e muito provavelmente será inócua no combate à inflação. A maior parte dos consumidores dificilmente notará o aumento do imposto e continuará tomando financiamentos, se as prestações couberem no seu orçamento. Muito mais eficaz seria uma redução do número das prestações, mas o ministro de Estado da Fazenda ou não percebeu esse dado ou não se dispôs a tomar uma providência realmente séria. O aumento do imposto servirá mesmo para engordar a arrecadação do governo. Só com o aumento da carga tributária o governo conseguirá alcançar a meta fiscal deste ano - outra promessa de Mantega.

O MINISTRO mencionou, naturalmente, a disposição do Poder Executivo de cortar parte dos gastos programados para o ano, como se houvesse, de fato, a intenção de executar uma política austera. Também isso é fantasia. Já se fala, em Brasília (DF), da disposição do governo de preservar certo volume de desembolsos para atender a pressões de prefeitos preocupados com as eleições de 2012. Isso é apenas parte das pressões.

EM seu surto de fantasia, Mantega comparou a expansão dos investimentos no Brasil e na China. De fato, o aumento de 21,9% apurado em 2010 deve ter sido bem maior que o verificado na China. Mas esse aumento ocorreu sobre a base deprimida de 2009. Além disso, há uma diferença monumental entre as duas economias na relação entre investimento e Produto Interno Bruto (PIB). Neste ano, se der tudo certo, o País investirá o equivalente a 19,1% da produção bruta, segundo o Ministério da Fazenda (MF). A China deve ter investido 55% do PIB no ano passado. Em 2011, a proporção talvez diminua para 54,5%. O Brasil precisará poupar muito mais para chegar à metade disso. Esse resultado dependerá principalmente da adoção de políticas mais sérias pelo governo. Fantasia sem ação não gera recursos.