Da necessidade do acolhimento e da generosidade como antídoto contra atrocidades
SÃO PAULO (SP) – NOSSA sociedade tupiniquim, revoltada e perplexa, diante da chocante brutalidade da tragédia do Realengo, se pergunta: por quê? O assassinato frio e premeditado de 12 pré-adolescentes, dentro de uma escola pública municipal na Cidade do Rio de Janeiro (RJ), por um esquizofrênico suicida de 23 anos, deflagrou na mídia, até pelo ineditismo do ocorrido no Brasil, uma compreensível busca por explicações para o trágico acontecimento que inscreve o País na galeria internacional dos massacres de que são vítimas jovens estudantes - da qual a chacina de Columbine, nos Estados Unidos da América (EUA), em Abril de 1999, se tornou tristemente emblemática. Autoridades governamentais, especialistas em segurança pública, psicólogos especializados em conflitos interpessoais no ambiente escolar, enfim, toda sorte de profissionais em atividades de alguma forma relacionadas com as possíveis razões e as prováveis consequências da tragédia têm sido convocados a expor seu pensamento diante de microfones e câmeras e ganham generoso espaço na mídia impressa.
DESDE logo algumas explicações óbvias afloram, na tentativa de diagnosticar as causas do fenômeno. Parece haver consenso sobre pelo menos duas questões: uma seriam as deficiências no aparato de segurança, que podem ser debitadas tanto ao poder público, no âmbito geral, quanto à direção das unidades escolares, no que se refere ao controle do acesso de estranhos às suas instalações. A outra, certamente mais complexa e polêmica, seria a ausência ou insuficiência de controle sobre o comércio de armamento. "Precisamos desarmar a população", costumam bradar as autoridades nessas ocasiões, como se apressou a fazer o ministro de Estado da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT-SP), que prometeu, é claro, providências enérgicas para tornar permanente a Campanha de Desarmamento e incentivar maior controle sobre a venda e o porte de armas.
DE outro modo, perquirem-se as causas psicológicas, psiquiátricas e psicossociais por detrás da violência urbana. O ataque ocorrido esta semana na escola do Bairro Realengo, Região Oeste da Capital fluminense, segundo a opinião do sociólogo, pesquisador e professor Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), citado em reportagem do Jornal O GLOBO, na edição da última Sexta-feira, 08, "foge ao padrão da violência urbana" e "não é explicável pelos parâmetros geralmente usados para analisar eventos cotidianos de violência", pois "tem mais a ver com um quadro grave de perturbação mental", uma vez que "o assassino, provavelmente, já não distinguia a realidade da fantasia".
TUDO considerado - deve ter de alguma forma contribuído para o desfecho trágico desse ataque em Realengo e apontam problemas que de alguma maneira podem e devem ser enfrentados pelo poder público e pelos cidadãos para evitar sua repetição. Mas, sejam quais forem as causas imediatas dessa hecatombe humana, não pode haver dúvidas de que ela tem suas raízes mais profundas no fenômeno moderno da falência dos valores humanos em seu embate permanente com o pragmatismo da sociedade de consumo que o processo de globalização só tem feito acentuar. Nesse sentido, é tão ilustrativo quanto chocante o relato da colega jornalista, Lucia Guimarães, repórter-correspondente do Jornal O ESTADO DE S. PAULO (O ESTADÃO) em Nova York (EUA), publicado ontem naquele diário: "Ninguém teve a ideia de fazer um bom videogame com um massacre escolar." A queixa é do mentecapto que atende pelo apelido Pawnstick e cuidou de preencher esta lacuna nos anais da glorificação escatológica. O absurdo videogame, "School Shooter" (Atirador Escolar) convida o jogador a reviver a experiência de serial killers, ou seja, matar o maior número possível de estudantes. E é defendido sem nenhum constrangimento por seu criador, conforme registra o artigo: "É só um jogo e o objetivo é ser divertido".
NA direção oposta do cinismo do mentecapto criador de videogames, vai o depoimento da professora Telma Vinha da Universidade de Campinas (Unicamp), publicado na mesma edição de ontem de O ESTADÃO: "(...) a escola não é uma prisão. Ela deve ser um espaço para falar de conflitos, não para contê-los". E as escolas só serão realmente assim "quando forem mais generosas, acolhedoras e não pensarem na ética como um remédio punitivo, mas como vacina". Vale para a escola. Vale para uma sociedade doente, desumanizada. Vale para todos e cada um de nós.
DESDE logo algumas explicações óbvias afloram, na tentativa de diagnosticar as causas do fenômeno. Parece haver consenso sobre pelo menos duas questões: uma seriam as deficiências no aparato de segurança, que podem ser debitadas tanto ao poder público, no âmbito geral, quanto à direção das unidades escolares, no que se refere ao controle do acesso de estranhos às suas instalações. A outra, certamente mais complexa e polêmica, seria a ausência ou insuficiência de controle sobre o comércio de armamento. "Precisamos desarmar a população", costumam bradar as autoridades nessas ocasiões, como se apressou a fazer o ministro de Estado da Justiça, José Eduardo Cardozo (PT-SP), que prometeu, é claro, providências enérgicas para tornar permanente a Campanha de Desarmamento e incentivar maior controle sobre a venda e o porte de armas.
DE outro modo, perquirem-se as causas psicológicas, psiquiátricas e psicossociais por detrás da violência urbana. O ataque ocorrido esta semana na escola do Bairro Realengo, Região Oeste da Capital fluminense, segundo a opinião do sociólogo, pesquisador e professor Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), citado em reportagem do Jornal O GLOBO, na edição da última Sexta-feira, 08, "foge ao padrão da violência urbana" e "não é explicável pelos parâmetros geralmente usados para analisar eventos cotidianos de violência", pois "tem mais a ver com um quadro grave de perturbação mental", uma vez que "o assassino, provavelmente, já não distinguia a realidade da fantasia".
TUDO considerado - deve ter de alguma forma contribuído para o desfecho trágico desse ataque em Realengo e apontam problemas que de alguma maneira podem e devem ser enfrentados pelo poder público e pelos cidadãos para evitar sua repetição. Mas, sejam quais forem as causas imediatas dessa hecatombe humana, não pode haver dúvidas de que ela tem suas raízes mais profundas no fenômeno moderno da falência dos valores humanos em seu embate permanente com o pragmatismo da sociedade de consumo que o processo de globalização só tem feito acentuar. Nesse sentido, é tão ilustrativo quanto chocante o relato da colega jornalista, Lucia Guimarães, repórter-correspondente do Jornal O ESTADO DE S. PAULO (O ESTADÃO) em Nova York (EUA), publicado ontem naquele diário: "Ninguém teve a ideia de fazer um bom videogame com um massacre escolar." A queixa é do mentecapto que atende pelo apelido Pawnstick e cuidou de preencher esta lacuna nos anais da glorificação escatológica. O absurdo videogame, "School Shooter" (Atirador Escolar) convida o jogador a reviver a experiência de serial killers, ou seja, matar o maior número possível de estudantes. E é defendido sem nenhum constrangimento por seu criador, conforme registra o artigo: "É só um jogo e o objetivo é ser divertido".
NA direção oposta do cinismo do mentecapto criador de videogames, vai o depoimento da professora Telma Vinha da Universidade de Campinas (Unicamp), publicado na mesma edição de ontem de O ESTADÃO: "(...) a escola não é uma prisão. Ela deve ser um espaço para falar de conflitos, não para contê-los". E as escolas só serão realmente assim "quando forem mais generosas, acolhedoras e não pensarem na ética como um remédio punitivo, mas como vacina". Vale para a escola. Vale para uma sociedade doente, desumanizada. Vale para todos e cada um de nós.
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