O melhor do pior
SINTRA - O LULLISMO que pode, ou não, ter chegado ao fim no último dia 31 de Dezembro - foi um período único na história da República. À parte as razões mais óbvias disso, a começar da singular trajetória de Luiz Inácio da Silva (PT-SP) e sua excepcional aptidão para se fazer idolatrado pela maioria dos brasileiros, o ciclo de oito anos de seu governo (2033-10) que se encerrou formalmente na última Sexta-feira, 31, se distingue por entrelaçar o melhor e o pior que um governante eleito pelo voto popular já proporcionou ao Brasil.
ESSE entrelaçamento é o que desaconselha julgar a Presidência da República do Brasil sob Luiz Inácio da Silva de um modo esquemático. Dela já se disse, por exemplo, que o seu lado bom não é novo e o seu lado novo não é bom. O jogo de palavras antepõe duas coisas sabidas. De um lado, o que sem dúvida foi a decisão crucial do vosso ex-guia de preservar, quando não aprofundar, as linhas mestras da política macroeconômica implantada pelo seu antecessor Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) na Presidência da República do Brasil. De outro, a política nefasta, em escala sem precedentes, de subordinar o Estado aos interesses da confraria partidária-sindical que se converteu, graças a sua eleição, na nova elite do poder no Brasil. Ao que se soma a degradação das relações entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo e a exploração deslavada do carisma presidencial.
REALMENTE, a primeira metade do argumento omite que Luiz Inácio da Silva não apenas teve a lucidez de manter os princípios de gestão econômica que até hoje ele chama de "herança maldita" - provavelmente o que a sua retórica teve de mais mistificador -, como ainda chefiou um governo que demonstrou ter a competência necessária para fazê-lo. Ao mesmo tempo, ele fazia valer a sua liderança para enquadrar a companheirada do petismo insatisfeita com o pragmatismo responsável na condução da economia, sem o qual, repita-se pela enésima vez, o Brasil não teria tirado o proveito que tirou de um dos maiores ciclos de expansão dos negócios globais no pós-guerra. E sem o qual, no limite, não teria sido possível resgatar 28 milhões de pessoas da pobreza extrema e alçar outros 36 milhões à classe média.
EM contraponto, a segunda metade do argumento omite que o mesmo Luiz Inácio da Silva, que não há de ter estado alheio ao Mensalão (2003-05); que não teria por que se surpreender com o vexame dos "aloprados" na campanha eleitoral de 2006; que se entregou de corpo e alma aos expoentes do atraso, do patrimonialismo e da venalidade no sistema político nacional; e que, enfim, se colocou acima do próprio Estado do qual deveria ser o primeiro servidor, ao se declarar a "encarnação do povo", nunca se dispôs a alterar a Constituição Federal para disputar um terceiro mandato consecutivo, ao contrário do que a Oposição dava como certo.
É FATO que ele se serviu desbragadamente do governo para eleger a ex-ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS). Mas, na soma algébrica dos prós e dos contras, ele tem a seu crédito a estabilidade das regras democráticas no País.
OUTRO paralelo semelhante, desse ângulo, é o da atitude do “CARA!” em relação à Imprensa. Tomados pelo valor de face, os seus virulentos ataques aos meios de comunicação expressariam uma intenção liberticida. E, no entanto, no que dependeu dele, a Imprensa brasileira é hoje tão livre como no dia 1.º de Janeiro de 2003. O Luiz Inácio da Silva falante, por sinal, é uma caricatura do Luiz Inácio da Silva governante.
E SE o seu governo tivesse que ser julgado pela catadupa de palavras impróprias - e não raro mentirosas - que ele proferiu, nada mitigaria a percepção de que o Brasil viveu um período de retrocesso e de achincalhe da instituição presidencial. O problema, de novo, é destrinchar as coisas.
SEUS abusos verbais, às vezes à beira do impublicável, remetem ao espetáculo da política personalista e ao lado rústico de um temperamento construído sob a servidão da vicissitude. Mas as suas políticas resultaram de outro traço de sua formação – o traço da opção preferencial pela conciliação de interesses, que o Luiz Inácio da Silva líder sindical aprendeu na mesa de negociação com o patronato. Dos beneficiários do Programa Bolsa-Família ao grande capital, todos tiveram o seu quinhão.
NESTA mesmíssima conjuntura de bonança econômica, um outro presidente da República poderia não ter idêntica sensibilidade para os dividendos políticos da acomodação. A simbiose de ótimo e péssimo que marcou o lullismo teve nisso o seu ponto culminante.
ESSE entrelaçamento é o que desaconselha julgar a Presidência da República do Brasil sob Luiz Inácio da Silva de um modo esquemático. Dela já se disse, por exemplo, que o seu lado bom não é novo e o seu lado novo não é bom. O jogo de palavras antepõe duas coisas sabidas. De um lado, o que sem dúvida foi a decisão crucial do vosso ex-guia de preservar, quando não aprofundar, as linhas mestras da política macroeconômica implantada pelo seu antecessor Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) na Presidência da República do Brasil. De outro, a política nefasta, em escala sem precedentes, de subordinar o Estado aos interesses da confraria partidária-sindical que se converteu, graças a sua eleição, na nova elite do poder no Brasil. Ao que se soma a degradação das relações entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo e a exploração deslavada do carisma presidencial.
REALMENTE, a primeira metade do argumento omite que Luiz Inácio da Silva não apenas teve a lucidez de manter os princípios de gestão econômica que até hoje ele chama de "herança maldita" - provavelmente o que a sua retórica teve de mais mistificador -, como ainda chefiou um governo que demonstrou ter a competência necessária para fazê-lo. Ao mesmo tempo, ele fazia valer a sua liderança para enquadrar a companheirada do petismo insatisfeita com o pragmatismo responsável na condução da economia, sem o qual, repita-se pela enésima vez, o Brasil não teria tirado o proveito que tirou de um dos maiores ciclos de expansão dos negócios globais no pós-guerra. E sem o qual, no limite, não teria sido possível resgatar 28 milhões de pessoas da pobreza extrema e alçar outros 36 milhões à classe média.
EM contraponto, a segunda metade do argumento omite que o mesmo Luiz Inácio da Silva, que não há de ter estado alheio ao Mensalão (2003-05); que não teria por que se surpreender com o vexame dos "aloprados" na campanha eleitoral de 2006; que se entregou de corpo e alma aos expoentes do atraso, do patrimonialismo e da venalidade no sistema político nacional; e que, enfim, se colocou acima do próprio Estado do qual deveria ser o primeiro servidor, ao se declarar a "encarnação do povo", nunca se dispôs a alterar a Constituição Federal para disputar um terceiro mandato consecutivo, ao contrário do que a Oposição dava como certo.
É FATO que ele se serviu desbragadamente do governo para eleger a ex-ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS). Mas, na soma algébrica dos prós e dos contras, ele tem a seu crédito a estabilidade das regras democráticas no País.
OUTRO paralelo semelhante, desse ângulo, é o da atitude do “CARA!” em relação à Imprensa. Tomados pelo valor de face, os seus virulentos ataques aos meios de comunicação expressariam uma intenção liberticida. E, no entanto, no que dependeu dele, a Imprensa brasileira é hoje tão livre como no dia 1.º de Janeiro de 2003. O Luiz Inácio da Silva falante, por sinal, é uma caricatura do Luiz Inácio da Silva governante.
E SE o seu governo tivesse que ser julgado pela catadupa de palavras impróprias - e não raro mentirosas - que ele proferiu, nada mitigaria a percepção de que o Brasil viveu um período de retrocesso e de achincalhe da instituição presidencial. O problema, de novo, é destrinchar as coisas.
SEUS abusos verbais, às vezes à beira do impublicável, remetem ao espetáculo da política personalista e ao lado rústico de um temperamento construído sob a servidão da vicissitude. Mas as suas políticas resultaram de outro traço de sua formação – o traço da opção preferencial pela conciliação de interesses, que o Luiz Inácio da Silva líder sindical aprendeu na mesa de negociação com o patronato. Dos beneficiários do Programa Bolsa-Família ao grande capital, todos tiveram o seu quinhão.
NESTA mesmíssima conjuntura de bonança econômica, um outro presidente da República poderia não ter idêntica sensibilidade para os dividendos políticos da acomodação. A simbiose de ótimo e péssimo que marcou o lullismo teve nisso o seu ponto culminante.
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