Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, dezembro 23, 2010

A mesma “banda podre”

RIO DE JANEIRO (RJ) – MENOS de um mês após as tropas do Exército Brasileiro e da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) restabelecerem a autoridade do poder público em vários morros e favelas fluminenses, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ) realizou outra operação muito bem planejada no Município de Duque de Caxias (RJ), na Região da Baixada Fluminense, e prendeu 25 indivíduos acusados de fazer parte da mais antiga milícia daquela região. O grupo vinha atuando desde 2007 e é acusado de ter cometido mais de 50 assassinatos. As investigações começaram há seis meses pelo Setor de Inteligência da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Rio de Janeiro (SESP-RJ) e os integrantes da quadrilha foram identificados por interceptações telefônicas. Com base nas escutas telefônicas, foram expedidos 34 mandados de prisão e 51 mandados de busca e apreensão.

ESSA nova ofensiva contra o crime organizado no Rio de Janeiro, promovida desta vez no principal Município da Baixada Fluminense, mostra como o narcotráfico e as milícias - que são integradas por policiais aposentados, integrantes do Corpo de Bombeiros e servidores públicos de escalões inferiores - consistem em verso e reverso de uma mesma moeda. Os milicianos são tão criminosos quanto os narcotraficantes de drogas e só prosperam quando contam com a cumplicidade de autoridades, principalmente as policiais.

ALÉM de praticar os mesmos delitos cometidos pelo crime organizado, como homicídios, exploração de máquinas caça-níqueis, extorsão, venda de gás de cozinha e exploração de serviços clandestinos de TV por assinatura e internet, faturando cerca de R$ 300 mil por mês, a milícia presa em Duque de Caxias estava envolvida com o comércio ilegal de armas e munição. As escutas telefônicas revelaram que entre os clientes da quadrilha estavam narcotraficantes de favelas do Complexo do Alemão, que se encontram ocupadas por Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) desde o último dia 28 de Novembro.

O SURGIMENTO das milícias no Estado do Rio de Janeiro, há alguns anos, chegou a ser recebido com simpatia nas comunidades mais pobres dos morros e favelas fluminenses, cujos habitantes as viram - ingenuamente - como forças auxiliares no combate ao narcotráfico. Os especialistas em violência urbana, no entanto, desde o início chamaram a atenção para o poder corruptor dos milicianos.

CIENTISTAS Sociais e estudiosos de políticas públicas como Luís Eduardo Soares, Rubens Cesar Fernandes, Michel Misse e Gláucio Ary Dillon Soares lembraram que as milícias não apenas aumentariam a promiscuidade entre poder público e o submundo do crime - fenômeno que começou com a expansão do jogo do bicho e o progressivo envolvimento de seus líderes com os Grêmios Recreativos Escolas de Samba (GRES), a partir da década de 1970 -, como também poderiam infiltrar-se nas atividades político-partidárias municipais e estaduais - a exemplo do que ocorreu na Itália, com a Máfia.

ESTA operação policial realizada em Duque de Caxias revelou que os especialistas estavam certos. Dos 25 milicianos que tiveram a prisão decretada por ordem da Justiça, quase todos trabalhavam no poder público: 13 são soldados e cabos da PMERJ; 4 são policiais militares aposentados; 2 integram os escalões inferiores do Exército Brasileiro e da Marinha do Brasil; e um é comissário da PCERJ.

A QUADRILHA era chefiada por dois vereadores - Jonas Gonçalves (PPS-RJ) e Chiquinho Grandão (PTB-RJ), que usavam gabinetes na Câmara Municipal de Duque de Caxias para coordenar atividades criminosas. Com o apoio da bancada estadual do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) que faz parte do bloco de sustentação política na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) do governador reeleito, Sérgio Cabral Filho (PMDB-RJ), há dois anos eles conseguiram retirar seus nomes do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da ALERJ que investigou a atuação das milícias. "As milícias mostram força quando têm braço político", diz o presidente da CPI, deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ). "Não há competição entre narcotráfico e milícia. A operação fez cair por terra aquela visão utópica e romântica de que a milícia é um mal necessário e uma autodefesa da comunidade. Ela nada mais é do que uma empresa criminosa", diz o responsável pelas investigações, delegado Alexandre Capote.

TUDO isso dá a dimensão do desafio que é combater o crime organizado no Estado do Rio de Janeiro. Além de prender criminosos, apreender seu material bélico e atacar sua força econômica, a polícia tem de desarticular ligações políticas - e livrar-se de sua própria banda podre.