Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, dezembro 20, 2010

Culto a personalidade

LUIZ Inácio Lula da Silva acusa a Imprensa de não relatar os inúmeros feitos sem precedentes de seu governo - ou de não relatá-los como gostaria, em embevecida "manchete favorável". O que “0-CARA!” faz então? Nas suas palavras desprovidas de censura: "Leio o jornal, não vejo matéria favorável a mim, e falo: vamos viajar o Brasil para que eu fale bem de mim". E o que acontece? A Imprensa o segue e reproduz o que ele diz, ecoando a sua versão dos fatos e, mais do que isso, mantendo-o permanentemente na “crista da onda, senhor do noticiário”.

EM qualquer país do mundo é normalíssimo que o nome do chefe do governo seja o mais mencionado nas páginas políticas. A diferença é que, no Brasil, as citações a Luiz Inácio da Silva (PT-SP) - a grande maioria delas engendrada pelo seu inigualável estoque de recursos para aparecer - batem recordes. Dá para desconfiar que o seu costume de abandonar os textos escritos para ele e enveredar pelo improviso seja outro de seus estratagemas de captura das atenções da mídia. Afinal, “O-CARA!” que solta o verbo, com a sua peculiar prosódia e a quase-lógica (como já se disse) de sua argumentação, é incomparavelmente mais divertido.

TAMBÉM dá até para desconfiar que os seus ataques recorrentes aos meios de comunicação de massa sejam outra forma ainda de obrigá-los a ceder-lhe espaço - ainda que a isso se sigam justificadas e contundentes réplicas em editoriais e colunas de opinião. Falem mal, mas falem de mim, há de pensar no íntimo o mais intuitivo dos nossos chefes de Estado. Esse enlace, a que a Imprensa não pode se furtar até por dever de ofício, tem sido espertamente aproveitado por Luiz Inácio da Silva para consumar a transformação de sua figura já ímpar em mito.

PARTE ponderável da astúcia consiste em criar eventos que fixem na percepção popular, graças à mídia, a imagem de um presidente República que fez o que nenhum dos seus antecessores logrou fazer. Eis o bordão da mais inusitada de suas iniciativas: o preparo - e o registro em cartório! - de um balanço dos seus 8 anos de governo, em 6 volumes e 2.200 páginas. A verdade oficial não se peja de incluir empreendimentos inacabados, como a Ferrovia Norte-Sul e a Transnordestina e as hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio. Ou que nem saíram do papel: a Usina de Belo Monte e o trem-bala Rio-São Paulo.

A CERTIFICAÇÃO da obra lullista foi pretexto para um ato festivo no salão nobre do Palácio do Planalto, na última Quarta-feira, 15. Cerca de 700 pessoas, entre ministros de Estado, ex-ministros, futuros ministros, governadores de Estado, parlamentares e tutti quanti, além da presidente eleita, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), naturalmente, juntaram-se para celebrar o que foi apresentado como um acervo de realizações sem paralelo na história nacional e que não teria tido na Imprensa a louvação que faria por merecer.

O EX-MINISTRO de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República, e ex-deputado (cassado) José Dirceu (PT-SP), abatido pelo escândalo do Mensalão (2004-05), se locomovia pelo Palácio do Planalto com a desenvoltura de quem nunca saiu dali, como se vangloriou aos jornalistas. O clima era de apoteose. O governador do Estado da Bahia, Jaques Wagner (PT-BA), inflacionou os 50 anos em 5 do ex-presidente da República (1956-60), Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK). "Os 8 anos de seu mandato", derramou-se ele, dirigindo-se a Luiz Inácio da Silva, "valeram 80 anos". O ministro de Estado Chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, disse que o maior legado do presidente foi ensinar o Brasil "a andar com as próprias pernas". Em outro tempo e lugar isso se chamou culto à personalidade.

TUDO isso, como não poderia deixar de ser, deu nos jornais, saiu na internet e apareceu em emissoras de Rádio e TV. Mais ainda, os louvores de Luiz Inácio da Silva a si mesmo. O vosso guia, que conhece tantos ditados, menos, talvez, o de que "elogio em boca própria é vitupério", avisou que exemplares do “balanção” serão enviados aos editores de política e economia da Imprensa "para perceberem o quanto perderam por não cobrir coisas boas do governo", dando corda à sua ideia fixa. E anunciou o que seria a síntese "dos erros e acertos que possamos ter cometido" - a aprovação ao seu governo.

“O-CARA!” mencionou o índice de 80%, antecipando os resultados da nova pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião e Pesquisa Estatística (Ibope), divulgada no dia seguinte. No levantamento, a popularidade do vosso presidente da República bateu todos os recordes desde a sua posse em 1º de Janeiro de 2003, alcançando 87%. É como ele diz: "A única coisa impossível é Deus pecar. O resto, tudo pode acontecer”.