Bisbilhotices explosivas
RIO DE JANEIRO (RJ) - CEDO ou tarde, a divulgação a conta-gotas de 251.287 despachos diplomáticos confidenciais americanos fatalmente criaria mais do que constrangimentos para o governo dos Estados Unidos da América e os governos com que se relacionam. Era apenas questão de tempo. No quarto dia de publicação das mensagens obtidas pelo site WikiLeaks e repassadas a quatro jornais e uma revista semanal que as editam (The New York Times, The Guardian, Le Monde, El País e Der Spiegel), o constrangimento se transformou numa crise política de proporções consideráveis, envolvendo nada menos do que os governos dos EUA e da Rússia.
JÁ NO primeiro dia vazou um documento no qual diplomatas norte-americanos, avaliando a correlação de forças na Rússia, comparam o primeiro-ministro Vladimir Putin ao Batman das histórias em quadrinhos, relegando o presidente Dmitri Medvedev ao papel do coadjuvante Robin. A analogia destoa da boa linguagem diplomática, mas é pertinente. Pior foi o secretário de Estado da Defesa dos EUA, Robert Grave, ser citado como tendo dito que "a democracia russa desapareceu" e que a Rússia está nas mãos de "uma oligarquia dirigida pelos serviços secretos".
RELATOS sobre a situação de outros países, incluindo perfis de seus dirigentes, altos funcionários e opositores, bem como explicações e prognósticos sobre as suas políticas, são triviais em diplomacia. Entre os afazeres dos embaixadores no estrangeiro, espionar o anfitrião é tão importante como negociar com ele. Já o interlocutor que se abre com um diplomata sabe que as suas palavras alcançarão leitores mais bem situados na hierarquia da qual aquele faz parte. Nesse jogo, baseado no princípio da confiança recíproca, uma coisa é inadmissível: a quebra do sigilo.
QUANDO isso acontece, ainda mais como agora, em escala industrial, o desconforto é generalizado e trivialidades se transformam em fatos políticos - com risco de crise. O governo incapaz de guardar os seus segredos tem de dar conta do estrago produzido. Pois uma coisa é saber - e todos sabem -, por exemplo, que o governo da Arábia Saudita abomina o governo do Irã e está inquieto com o programa atômico iraniano, e outra coisa é vir a público que o rei saudita Abdullah, por intermédio do seu embaixador em Washington, instou o governo dos EUA a atacar o país - "cortar a cabeça da serpente", teria mandado dizer.
PERTO disso, importa menos do que um grão de areia se o ministro de Estado da Defesa do Brasil, Nelson Jobim (PMDB-RS), de fato confidenciou ao então embaixador norte-americano no Brasil, Clifford Sobel, que o à época secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, "odeia os Estados Unidos" e que o presidente boliviano, Evo Morales, tem um tumor no nariz. Mas, perto do que vazou das análises dos principais diplomatas norte-americanos acreditados em Moscou sobre a Rússia, o constrangimento em que a negligência dos EUA deixou o monarca saudita pode não durar mais do que redemoinho no deserto.
A Rússia de Putin é equiparada a uma cleptocracia autocrática, em que a elite dirigente, as agências de segurança, as oligarquias dos grandes conglomerados econômicos e o crime organizado se associaram para criar um "virtual Estado mafioso". Nada que já não se soubesse - embora sem tamanha profusão de detalhes. Mas, exposto ao mundo, o libelo joga por água abaixo o que o presidente da República dos EUA, Barack Houssein Obama, tinha a apresentar como a sua mais promissora realização em política externa a reaproximação com a Rússia, o restart de que falou a secretária de Estado Norte-Americano, Hillary Clinton, depois de seu primeiro encontro com Medvedev, no começo do ano passado.
PUTIN não perdoará em especial o despacho do então embaixador William Burns sobre o rumor de que o círculo íntimo do líder russo ordenou a eliminação do agente Alexander Litvinenko, envenenado em Londres há 4 anos. A naturalidade com que o boato foi recebido em Moscou "diz tudo do que se espera do Kremlin", escreveu o diplomata.
É IMPROVÁVEL que o governo dos EUA consiga estancar o aluvião de bisbilhotices explosivas que viajam da internet para alguns dos mais importantes órgãos da imprensa mundial. O fracasso das primeiras tentativas de bloquear o WikiLeaks é sintomático. Em nome do direito à informação, melhor assim.
JÁ NO primeiro dia vazou um documento no qual diplomatas norte-americanos, avaliando a correlação de forças na Rússia, comparam o primeiro-ministro Vladimir Putin ao Batman das histórias em quadrinhos, relegando o presidente Dmitri Medvedev ao papel do coadjuvante Robin. A analogia destoa da boa linguagem diplomática, mas é pertinente. Pior foi o secretário de Estado da Defesa dos EUA, Robert Grave, ser citado como tendo dito que "a democracia russa desapareceu" e que a Rússia está nas mãos de "uma oligarquia dirigida pelos serviços secretos".
RELATOS sobre a situação de outros países, incluindo perfis de seus dirigentes, altos funcionários e opositores, bem como explicações e prognósticos sobre as suas políticas, são triviais em diplomacia. Entre os afazeres dos embaixadores no estrangeiro, espionar o anfitrião é tão importante como negociar com ele. Já o interlocutor que se abre com um diplomata sabe que as suas palavras alcançarão leitores mais bem situados na hierarquia da qual aquele faz parte. Nesse jogo, baseado no princípio da confiança recíproca, uma coisa é inadmissível: a quebra do sigilo.
QUANDO isso acontece, ainda mais como agora, em escala industrial, o desconforto é generalizado e trivialidades se transformam em fatos políticos - com risco de crise. O governo incapaz de guardar os seus segredos tem de dar conta do estrago produzido. Pois uma coisa é saber - e todos sabem -, por exemplo, que o governo da Arábia Saudita abomina o governo do Irã e está inquieto com o programa atômico iraniano, e outra coisa é vir a público que o rei saudita Abdullah, por intermédio do seu embaixador em Washington, instou o governo dos EUA a atacar o país - "cortar a cabeça da serpente", teria mandado dizer.
PERTO disso, importa menos do que um grão de areia se o ministro de Estado da Defesa do Brasil, Nelson Jobim (PMDB-RS), de fato confidenciou ao então embaixador norte-americano no Brasil, Clifford Sobel, que o à época secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, "odeia os Estados Unidos" e que o presidente boliviano, Evo Morales, tem um tumor no nariz. Mas, perto do que vazou das análises dos principais diplomatas norte-americanos acreditados em Moscou sobre a Rússia, o constrangimento em que a negligência dos EUA deixou o monarca saudita pode não durar mais do que redemoinho no deserto.
A Rússia de Putin é equiparada a uma cleptocracia autocrática, em que a elite dirigente, as agências de segurança, as oligarquias dos grandes conglomerados econômicos e o crime organizado se associaram para criar um "virtual Estado mafioso". Nada que já não se soubesse - embora sem tamanha profusão de detalhes. Mas, exposto ao mundo, o libelo joga por água abaixo o que o presidente da República dos EUA, Barack Houssein Obama, tinha a apresentar como a sua mais promissora realização em política externa a reaproximação com a Rússia, o restart de que falou a secretária de Estado Norte-Americano, Hillary Clinton, depois de seu primeiro encontro com Medvedev, no começo do ano passado.
PUTIN não perdoará em especial o despacho do então embaixador William Burns sobre o rumor de que o círculo íntimo do líder russo ordenou a eliminação do agente Alexander Litvinenko, envenenado em Londres há 4 anos. A naturalidade com que o boato foi recebido em Moscou "diz tudo do que se espera do Kremlin", escreveu o diplomata.
É IMPROVÁVEL que o governo dos EUA consiga estancar o aluvião de bisbilhotices explosivas que viajam da internet para alguns dos mais importantes órgãos da imprensa mundial. O fracasso das primeiras tentativas de bloquear o WikiLeaks é sintomático. Em nome do direito à informação, melhor assim.
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