Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, maio 22, 2010

O golpe da autopreservação

O SENADOR Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado Federal, não precisa se preocupar. Depois de manobrar, inutilmente, para impedir a votação da 1ª Proposta Popular de Emenda Constitucional (PEC) da “Ficha Limpa” a toque de caixa, alegando que a proposta nem sequer era do Executivo, "mas da sociedade", ele teve uma reação característica quando, na última Quarta-feira, 19, a PEC foi aprovada pelo plenário do Senado Federal pelo voto unânime dos 76 senadores presentes, decerto a contragosto em diversos casos.

ROMERO Jucá disse que o texto restringindo as candidaturas de cidadãos condenados por um colegiado de juízes em razão de uma série de delitos especificados - eles só poderão disputar eleições oito anos depois de cumprir a pena -, precisará ser aperfeiçoado porque "ainda é muito genérico, pode cometer injustiças e não pegar quem tem que pegar". De fato, não pegará de imediato quem tem de pegar, embora o que o senador, representante da oligarquia de Roraima, e a sociedade entendam por isso decerto não seja a mesma coisa.

E NÃO deverá pegar tão logo quanto a sociedade gostaria por causa de uma daquelas malandragens em que os políticos são especialistas. A esperteza contrasta com a euforia decano senador gaúcho Pedro Simon (PMDB-RS), da ala limpa do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Para ele, graças à aprovação final da PEC de iniciativa popular - apresentado com 1,6 milhão de assinaturas, a que aderiram pela internet outros 3,4 milhões de pessoas -, o Brasil deixava na noite fria daquela Quarta-feira mesmo de ser conhecido como o país da impunidade.

E O GOLPE se deu quando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal examinava o texto aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ), outro político decano do Poder Legislativo Brasileiro, aproveitou o momento para introduzir uma "emenda de redação", alterando os tempos verbais em cinco artigos da proposta. Assim, onde constava que não poderiam se candidatar os políticos que "tenham sido condenados", passou a se ler "forem condenados". Ou seja, forem condenados depois da sanção da Lei, o que se espera que aconteça até o início de Junho próximo.

ESSA tal "emenda Maluf", como merece ser chamada, e não apenas por ser o deputado paulista correligionário do senador Dornelles, anistia os fichas-sujas que conseguiram se eleger quando se entendia que a proibição somente poderia alcançar aqueles cuja condenação tivesse transitado em julgado. É, notoriamente, mas não exclusivamente, o caso do deputado federal, ex-governador biônico de São Paulo (por serviços prestados na Ditadura Militar) e ex-prefeito de São Paulo (1993-96), Paulo Maluf. Mesmo que a Justiça decida que a Lei valerá já para as próximas eleições - o assunto divide os juristas -, ele e outros políticos intrépidos, condenados em mais de uma instância, terão preservado o direito de se candidatar.

DAS QUATRO condenações aplicadas a Maluf por órgãos judiciais colegiados, uma trata de delitos previstos no “Projeto Ficha Limpa” - que inclui crimes eleitorais, contra a economia popular, a administração, o patrimônio público e o mercado financeiro, tráfico de entorpecentes, homicídio, estupro e crimes ambientais graves. Políticos que renunciarem ao mandato para não ser cassados também ficarão inelegíveis. No caso que interessa, Maluf foi obrigado a devolver aos cofres públicos o valor gasto com uma compra, considerada superfaturada, de frangos congelados.

PROTEGIDO pela maliciosa "emenda de redação" de Dornelles, a futura lei, seja lá quando entrar em vigor - este ano ou só a partir do pleito municipal de 2012 -, não o atingiria, dado que a condenação foi anterior a ela. O relator da PEC no Senado Federal, Demóstenes Torres (DEM-G0), não acredita que a emenda reduza o alcance da lei. "Todos os processos em andamento serão, sim, abrangidos por ela", assegura. Um em cada quatro deputados federais, a propósito, enfrenta pendências judiciais no Supremo Tribunal Federal.

OUTROS parlamentares têm sérias dúvidas. Para os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ), e Flávio Dino (PCdoB-MA), a mudança amenizou o Projeto da Ficha Limpa. "A alteração que fizeram não foi de redação, foi de mérito", entende Dino. Fica, de qualquer forma, a experiência alentadora de ver a sociedade dobrar o corporativismo dos políticos, quando não o seu acendrado senso de auto-preservação. Como diz o coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, Chico Whitaker, "votar esse projeto era botar a faca na cabeça de uns e dar um tiro no pé de outros, mas foi impossível ser contra".