Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, junho 07, 2009

Oposição jurídica

SÃO PAULO – O PRESIDENTE do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, pronunciou-se contrário à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que possibilite ao presidente da República disputar, de modo consecutivo, um terceiro mandato - a re-reeleição. Interpretando o que considera ser a opinião dominante dos integrantes da mais alta Corte de Justiça do País, que dá a última palavra sobre a constitucionalidade das regras legais, inclusive as destinadas a mudar a Constituição do Brasil, vaticinou Mendes que "o terceiro mandato não passa no STF".

SEGUNDO MENDES a permissão legal para a disputa de um terceiro mandato presidencial ou a ampliação do atual para seis anos seria um casuísmo. "As duas medidas têm muitas características de casuísmo. Vejo que dificilmente isso seria aprovado no STF", afirmou o ministro, para quem essas propostas representariam um prejuízo aos princípios republicanos. "Democracia constitucional é mais do que eleição. É eleição sob determinadas condições estabelecidas na Constituição, inclusive o respeito às regras do jogo", observou Gilmar Mendes, reiterando que "a eleição continuada seria uma lesão ao princípio republicano". Ele também fez a diferenciação entre a mudança da regra que permitiu a reeleição do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP)), e a idéia, agora, de um terceiro mandato presidencial: é que uma reeleição é uso já consagrado em muitas democracias contemporâneas como mesmo nos Estados Unidos da América (EUA) – a maior democracia do mundo -, enquanto a terceira eleição seguida - ou a quarta ou a quinta - significa uma quebra real do princípio democrático da alternância do poder.

GILMAR MENDES não é o primeiro nem o único ministro do STF a posicionar-se contra o terceiro mandato consecutivo. Posições semelhantes - com algumas variações - já assumiram os ministros Carlos Ayres Britto, Marco Aurélio Mello, Joaquim Barbosa e Cezar Peluso. Por sua vez, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, é enfático ao comparar um terceiro mandato presidencial seguido a um "golpe de Estado". Diz ele: "Por melhor que seja o governante, não se pode partir do pressuposto de que ele é o único. O terceiro mandato não está previsto na Constituição Federal e acredito que não está previsto de forma correta. A alternância de poder é um dos pilares da democracia. A hipótese de se prorrogar mandatos não é compatível com o princípio democrático. O presidente Luiz Inácio da Silva não iria afrontar sua biografia", conclui o presidente da Britto.

MESMO sendo contestada publicamente pelo presidente Luiz Inácio da Silva (PT-SP), a idéia de que possa disputar um terceiro mandato em 2010 não é nova e já estava praticamente fora dos bastidores do Congresso quando se fortaleceu por conta da doença da ministra de Estado Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Dilma Rousseff (PT-RS), ungida - com grande antecedência - pelo presidente como candidata preferida a sua sucessão, apoiada pelos partidos que integram a base de apoio do governo, especialmente o Partido dos Trabalhadores (PT). Se vencendo os obstáculos políticos - e até o curto espaço de tempo constitucional que restaria hoje (até 30 de Setembro próximo) para que já pudesse valer para as eleições do ano que vem - uma proposta de emenda constitucional em favor da re-reeleição presidencial tiver êxito no Congresso Nacional, certamente haverá de enfrentar outros problemas, de natureza jurídico-constitucional, a serem decididos no STF.

JÁ ESTÃO em discussão, como se vê pelas declarações do ministro Gilmar Mendes e de vários políticos, questões de princípios relacionados à alternância do Poder. Por mais que questões relativas a sistemas eleitorais e de sucessão do Poder possam e devam ser objeto de reflexões e debates, o que não se pode negar é que no bojo da proposta do terceiro mandato há um flagrante casuísmo - e nem sua associação com o precedente da introdução da reeleição, ao tempo do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), lhe tiraria essa característica. "Mesmo com a aprovação de uma PEC, a democracia pressupõe a alternância do poder. Já houve um erro grave quando se aprovou a reeleição. Quem pode três mandatos pode quatro, pode cinco, pode seis. Perde-se o controle e se torna uma perpetuação no poder", vaticina o presidente da OAB, Cezar Britto. Dá para contestá-lo?