Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, maio 17, 2009

Designativo povo

RIO DE JANEIRO - O POPULISMO e seus seguidores foram uma desgraça para América Latina. Por causa deles as economias nacionais foram implodidas; as instituições e seus fundamentos, destroçados; o tecido social, esgarçado; e os valores, relativizados. Os regimes populistas foram frequentes durante todo o século 20. Despontaram em quase todas as nações e lograram cimentar de vez o enorme fosso econômico existente entre os países de origem latina e os Estados Unidos da América (EUA) e o Canadá.

POIS não é que os populistas voltaram? Já estão no poder em países como Venezuela, Equador, Bolívia, Paraguai e Argentina e ameaçam galgá-lo em outras tantas nações.

AQUI no Brasil, a tentação populista se faz presente em setores do governo, da Imprensa e até mesmo da Justiça. O argumento central dos populistas é o de que tudo o que fazem é em nome do "povo". Julgam-se fiéis intérpretes das vontades e das opiniões do "povo" e, assim, contam com indulgência plenária e prévia para toda sorte de injustiças e desatinos que venham a cometer. O importante, mesmo, é o que pensa o "povo". Vem daí o designativo populismo.

QUEM é o "povo"? O que, afinal, pensa ele? Não dá para saber. O povo, na prática, é uma massa multiforme, passional, mutável, em geral desinformada e que não tem uma opinião consensual sobre praticamente nada. Alguns anos atrás foi feita uma enquete nos EUA para descobrir o que era unanimidade por lá. Conclusão: nada. Nem mesmo Deus conseguiu chegar perto, porque mais de 10% dos americanos eram ateus. O índice mais alto, à época, foi concedido às batatas fritas, que alcançaram 93%. Hoje em dia - como se descobriu que a gordura da fritura faz mal à saúde - nem mesmo elas chegariam lá. Ora, se nada e muito menos ninguém alcançam o consenso geral, existem alguns assuntos que se aproximam disso. E é a eles que os populistas se apegam no seu afã de se identificarem com as vontades populares.

IDOSOS, crianças, deficientes, progresso, povo, pobres, moral: quem pode ser contra tudo isso? Por outro lado, poluição, devastação da Amazônia, inflação, desemprego, recessão, impunidade, corrupção, miséria: quem, afinal, pode ser a favor?

ESSES temas - e muitos outros - são fáceis de ser explorados. E, também, de ser distorcidos. Segundo a Lei de Murphy, "para cada um dos problemas do mundo existe uma solução simples, clara e inquestionável. E essa solução é justamente a errada".

O "POVO", na cabeça dos populistas, há de ter uma opinião apaixonada sobre cada um dos temas expostos acima. E sempre que surge algum assunto relacionado a eles, automaticamente busca se posicionar. Mas o "povo" quase nunca possui um grau de informação suficiente para julgar.

MAS, antes de tudo o povo não deveria ser bem informado? Os populistas entendem que não. É mais fácil perfilar-se ao lado do "povo" que procurar esclarecê-lo...

ATÉ a Justiça, no Brasil, foi maculada pelo viés populista. Recentemente, no Supremo Tribunal Federal, dois circunspectos ministros bateram boca em torno da questão. Em razão do linguajar hermético de que se valeram, poucos foram os leigos que entenderam do que se tratava. Um deles era o presidente da Casa. Defendia a tese de que os magistrados devem ater-se exclusivamente ao que dizem os autos e as leis. O outro tem uma visão diferente. Em sua opinião, os juízes devem ouvir as ruas. E julgar de acordo com os clamores populares.

MAS cá entre nós, se um ministro de tribunal superior deve reduzir-se a ser um mero auscultador da opinião pública, para que, então, existem tribunais superiores? Por que se exige dos seus ministros que estudem, com afinco, o Direito e os seus princípios fundamentais?

SEGUNDO Reinaldo Azevedo (Revista Veja), o papel do juiz é o de ensinar tolerância aos intolerantes, e não o de aprender com eles a intolerância. Indo além, se cabe ao juiz atender à sanha justiceira do povo, para que precisarmos de juízes? Bastariam alguns funcionários burocráticos para assinar embaixo e, assim, legitimar os linchamentos.

ASSINO em baixo!

MAIS ainda que os tribunais, é a imprensa que se tem mostrado bastante contaminada pelo vírus populista. Alguns setores dela, em vez de cumprirem seu papel de informar a opinião pública, preferem distorcer as notícias de modo a atender aos baixos instintos do "povo".