Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, setembro 11, 2011

Conflito de interesses

ESSA onda de irritação das diferentes instâncias e núcleos especializados do Poder Judiciário com o não atendimento de suas pretensões salariais, por parte dos governos estaduais e federal pode levar alguns setores da magistratura a substituir a isenção pelo viés corporativo, nas sentenças e acórdãos das ações judiciais em que o Poder Executivo é parte interessada.

UMA demonstração mais recente dessa tendência ocorreu na 3.ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que condenou a Fazenda Estadual a indenizar em R$ 10 mil - a título de ressarcimento de danos materiais e morais - um advogado paulistano, por causa da greve promovida em 2004 pelos serventuários judiciais. Alegando que a suspensão das atividades da Justiça estadual o impediu de auferir rendimentos da prática da advocacia, ele acusou o governo paulista de ter-se omitido, não remunerando adequadamente os serventuários judiciais, não tomando medidas para atender às demandas dos grevistas e não fornecendo apoio logístico aos advogados.

TAL pretensão é absurda, uma vez que a greve dos servidores judiciais foi deflagrada contra o Poder Judiciário, e não contra o Poder Executivo. A responsabilidade pela política de remuneração dos serventuários é da cúpula da Justiça, e deve ter como base suas verbas orçamentárias. Ao Poder Executivo cabe preparar o orçamento, com base nas estimativas de arrecadação e no princípio de equilíbrio entre receita e despesa, sendo a avaliação e a aprovação da proposta orçamentária matéria de competência do Poder Legislativo.

MESMO assim, a 3.ª Câmara do TJSP acolheu a pretensão absurda, por 2 votos contra 1, sob a alegação de que o Poder Executivo paulista teria desrespeitado o mandamento constitucional que determina revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos. "Bastasse o Poder Executivo Estadual repassar a verba atinente ao reajuste dos servidores para que a greve não fosse deflagrada", afirmou o relator do processo, desembargador da Justiça Barreto Fonseca. Além de acusar de omissão o governador à época, Fonseca apresentou outro argumento polêmico. Segundo Fonseca, os responsáveis pelo Poder Executivo estadual deveriam ver "que lhes sai mais barato cumprir a Constituição da República e dar reajustes dignos, do que pretender entesourar às custas dos servidores".

A ORIGEM desse argumento, que vem sendo utilizado de forma cada vez mais recorrente pela magistratura, está na leitura equivocada da Constituição Federal do Brasil (CFB). Ao contrário do que dizem os juízes, o inciso X do artigo 37 da nossa Magna Carta não determina o reajuste anual obrigatório de salários dos servidores públicos. Prevê apenas uma "revisão geral anual" dos vencimentos do funcionalismo público - o que, obviamente, depende das disponibilidades do Tesouro público. Revisão, como está nos dicionários, é sinônimo de "nova leitura" ou "novo exame" - e não de obrigação.

ESSA decisão da 3.ª Câmara do TJSP não se baseou em fundamentos jurídicos para condenar a Secretaria de Estado da Fazenda de São Paulo a pagar uma indenização por danos materiais e morais a um advogado e, sim, nos argumentos que têm sido invocados pela cúpula do Poder Judiciário e pelas entidades da magistratura para pedir aumento salarial e criticar os cortes orçamentários promovidos pelo Poder Executivo para assegurar o equilíbrio das finanças públicas.

ENTRE uma e outra de suas reivindicações corporativas, a magistratura costuma lembrar que o Poder Judiciário é um poder independente e autônomo - a exemplo do Poder Executivo e do Poder Legislativo. De fato, os Poderes são autônomos, em termos funcionais, e independentes, em termos políticos. No entanto, os juízes se esquecem de que o orçamento é único, o cofre é um só e a responsabilidade pela alocação orçamentária de todos os recursos que saem e de todo o dinheiro que entra é exclusiva do Poder Executivo.

E ESSE é um dado elementar nos Estados que consagram o princípio da tripartição dos Poderes. E essa é a lição que a Justiça - cuja média salarial sempre foi maior do que a do Poder Executivo e a do Poder Legislativo - deveria aprender, neste momento em que a União Federal e os Estados vêm sendo obrigados a reajustar suas previsões de gastos e receitas.