Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, outubro 03, 2010

Acadêmicos da mordaça

O DESEMBARGADOR Liberato Póvoa, magistrado da Justiça eleitoral em Tocantins (TO) - cuja mulher e sogra foram nomeadas pelo governador Carlos Gaguim (PMDB-TO) para cargos na administração local -, impôs censura prévia a 8 jornais, 11 emissoras de TV, 5 sites de notícias na Internet, 20 emissoras de Rádio comercial e 40 emissoras de Rádio comunitária. Sob pena de multa diária de R$ 10 mil, todos esses veículos de comunicação de massa estavam proibidos de divulgar informações sobre a investigação do Ministério Público (MP) de São Paulo a respeito de uma suposta organização criminosa que teria fraudado licitações em 11 prefeituras do Estado de São Paulo e do Estado de Tocantins. Os valores desviados somariam R$ 615 milhões. As investigações do Departamento de Polícia Federal (DPF) levaram a ligações do governador Gaguim e do procurador-geral do Estado do Tocantins, Haroldo Rastoldo, com aquele bando. Oito dos seus integrantes tiveram a prisão preventiva decretada.

O GOVERNADOR Gaguim, candidato à reeleição pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), é tido como padrinho político do lobista da quadrilha, Maurício Manduca. Ele foi o primeiro a ser preso, por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro ilícito. Outra figura central do esquema, também preso, é o empresário José Carlos Cepera. Segundo um representante do MP ouvido pela nossa reportagem, Gaguim teria "íntimas relações" com eles. Gravações telefônicas autorizadas revelam que o governador teria intercedido diretamente em favor das empresas de Cepera em licitações no Tocantins. As reportagens sobre esse escândalo foram usadas na campanha eleitoral do candidato oposicionista (e ex-governador) Siqueira Campos (PSDB-TO).
AO ACIONAR a Justiça Eleitoral, a coligação de 11 partidos, entre os quais o Partido dos Trabalhadores (PT), que apoiam Gaguim alegou que o noticiário sobre a investigação favorece o candidato oposicionista, "constituindo, pois, uso indevido dos meios de comunicação". Ao acolher a queixa, o desembargador Póvoa assinalou que a investigação corre em segredo de Justiça e argumentou que as informações que presumivelmente incriminam o governador foram publicadas depois do furto de um microcomputador. O equipamento continha os arquivos da operação que revelou os laços entre Manduca e Gaguim. O magistrado, além de considerar "difamatórias" as menções ao governador, afirmou que foram obtidas por "meio ilícito".

ESSA suposta relação de causa e efeito é fictícia. O furto ocorreu na Quinta-feira, 23 - cinco dias depois que o Jornal O Estado de S. Paulo (o Estadão) começou a noticiar o caso. Tampouco se sustenta a responsabilização da imprensa pela divulgação de dados de uma apuração que tramita em sigilo. A guarda do segredo cabe aos agentes públicos envolvidos nas investigações enquadradas nessa categoria. Aliás, a estranha frequência com que processos são blindados - o que obviamente favorece os suspeitos, em prejuízo do direito da sociedade de saber o que autoridades e negociantes fazem com o dinheiro do contribuinte - é um motivo a mais para os veículos de comunicação de massa tornarem público o material a que tiveram acesso.

A INVOCAÇÃO do sigilo para preservar a intimidade dos investigados é uma manobra que produz resultados, quando são apresentados a determinados juízes que melhor fariam se se declarassem suspeitos de entrar na querela. Dácio Vieira, o desembargador da Justiça do Distrito Federal (DF) que há 424 dias impediu o mesmo Jornal Estadão de publicar notícias sobre o inquérito do DPF a respeito dos possíveis ilícitos praticados pelo empresário Fernando Sarney, filho do ex-presidente da República (1985-90), e atual presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, senador José Sarney (PMDB-AP), não só foi consultor jurídico do Senado Federal, como mantém relações próximas com o chefe do clã maranhense. Por sua vez, Liberato Póvoa, o colega do Tocantins que resolveu imitá-lo, tem dois familiares no governo Gaguim. A mulher, Simone Póvoa, na Secretaria de Estado da Justiça, e a sogra, Nilce, na Secretaria de Estado do Trabalho e do Emprego.

TODA essa mordaça aplicada por atacado pelo desembargador da Justiça em Tocantins - que responde a processo no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por venda de sentença - foi recebida com espanto e protestos. "Quando se proíbe a divulgação de informações baseadas em fatos, está se ferindo o preceito constitucional de garantias ao Estado de Direito", alertou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante. "É preciso repudiar essas atitudes". Pergunta, de seu lado, o jornalista e Professor-Adjunto do Departamento de jornalismo da Universidade de São Paulo (USP), Eugênio Bucci: "O que impede que amanhã toda a imprensa seja censurada?"

NA tarde da última Segunda-feira, 27, o plenário do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins (TRE-TO) derrubou a decisão do desembargador Póvoa.