Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, setembro 09, 2010

Como “bombas” de efeito retardado

TODAS as contas fiscais das três esferas do Governo mostraram o pior resultado desde o início da série em 2001. No período Janeiro a Julho, o déficit nominal como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) passou de 1,90%, em 2008, para 3,22%, em 2009, chegando em 2010 a 3,29%, ou R$ 65,5 bilhões. O que torna inevitável um ajuste após as eleições.

O RESULTADO primário - do qual se deduzem os juros da dívida - foi positivo em apenas 2,14% do PIB, ou R$ 42,5 bilhões, neste ano, muito inferior ao projetado pelas consultorias econômicas privadas, ou do que os 2,18% do PIB de igual período de 2009, e, ainda mais, dos 5,43% de 2008, de R$ 92,7 bilhões.

NO governo central, a distribuição de recursos para investimentos, mas também para pessoal, é crescente: o déficit nominal de R$ 12,5 bilhões, em Julho, dobrou em relação a Junho. E o superávit primário de R$ 770 milhões teria se transformado em déficit sem o pagamento de dividendos de R$ 934 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em Julho. Pouco ajudou a queda do déficit das contas do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), de R$ 2,7 bilhões, em Junho, para R$ 2,5 bilhões, em Julho.

EM termos de desequilíbrio fiscal, o superávit primário de 2010 assemelha-se mais ao de 2009, em torno de 2% do PIB, quando se justificava uma política antirrecessiva - nos dois casos, ficaram muito abaixo da meta de 3,3% do PIB. O descumprimento da meta em 1,27 ponto percentual (p.p.) do PIB, nos últimos 12 meses, foi maior no governo federal (0,87 p.p.) do que nos governos estaduais (0,26 p.p.) e nas estatais (0,14 p.p.).

ENTRE Junho e Julho, as despesas de custeio e capital aumentaram quase R$ 6 bilhões, de R$ 17,8 bilhões para R$ 23,7 bilhões - do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) saíram 60% do acréscimo. E as despesas com pessoal e encargos sociais cresceram R$ 3,5 bilhões (28,5%), ritmo muito mais acelerado do que no ano.

EM vez de usar o aumento da arrecadação de impostos para equilibrar as contas, como recomendaria a sucessão que se avizinha, o governo agiu com liberalidade - e, ainda que promova um arrocho fiscal a partir de Outubro, é improvável que consiga se aproximar da meta de superávit primário.

CABERÁ ao próximo governo, provavelmente, fazer o aperto, por mais que todos os candidatos à Presidência da República tentem desmenti-lo, para não perder eleitores. Como prognosticaram os economistas Samuel Pessoa, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e Mansueto de Almeida, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão (MPOG), em estudo recente, se o governo quiser manter os investimentos em 2011, terá de decidir entre aumentar a carga tributária e cortar os reajustes do salário mínimo

QUEM vier a suceder o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), encontrará um legado difícil de carregar – Tesouro Nacional (TN) mais endividado, mais custeio engessando o orçamento, compromissos pesados e de retorno duvidoso e um buraco crescente nas contas externas. Em Julho o superávit primário do setor público ficou em apenas R$ 2,45 bilhões, o resultado fiscal foi o pior para o mês em nove anos e o quadro não deverá mudar muito nos próximos meses. Sem o populismo do antecessor, o próximo presidente da República precisará tomar medidas severas, se quiser arrumar os fundamentos da economia. Se o Brasil ainda estiver crescendo, isso facilitará seu trabalho. Mas os Estados Unidos da América (EUA) e a maior parte da Europa continuarão derrapando na crise, o dinamismo chinês poderá ser menor e o mercado global será bem menos hospitaleiro do que o foi até o começo da recessão. Durante seis anos o presidente Luiz Inácio da Silva governou com vento a favor na economia global. Quem o substituir não terá essa bênção.
O ELEITO no próximo mês deverá negociar o novo salário mínimo em 2011 (para vigorar em 1o. de Janeiro de 2012) com as centrais sindicais. A negociação incluirá o aumento das aposentadorias superiores ao salário básico. A recessão de 2009 não será levada em conta nos cálculos. Esse presente para o novo governo foi incluído na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O atual presidente da República preferiu não vetar esses dispositivos, mas vetou outros 25 pontos politicamente menos complicados. O próximo orçamento será sobrecarregado também de aumentos salariais concedidos antes da tramitação do projeto da LDO. Essas e outras bondades tornarão mais inflexível o Orçamento-Geral da União (OGU).

ADEMAIS, as contas públicas estarão comprometidas com despesas vinculadas à Copa do Mundo da Fifa em 2014 e aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016. O BNDES participará do financiamento de vários projetos, possivelmente incluído o financiamento do Trem de alta velocidade. O custo desta obra ainda é desconhecido e as estimativas oscilam entre R$ 33 bilhões e R$ 40 bilhões. Como os projetos da Copa de 2014 estão atrasados, o TN poderá ser forçado a intervir para evitar um fiasco internacional. Ninguém sabe quanto dinheiro público essa aventura consumirá.

AGORA, comprometido com a capitalização da companhia pública Petróleo do Brasil S/A (Petrobrás), o governo precisará emitir mais títulos. O valor dos papéis dependerá do preço dos 5 bilhões de barris de petróleo correspondentes à parcela da União Federal no aumento de capital da empresa.

OS MINISTROS de Estado da área econômica haviam traçado um roteiro para eliminar até 2012 o déficit nominal das contas públicas, isto é, para equilibrar de forma completa receitas e despesas. Há poucas semanas, o Ministério da Fazenda anunciou uma revisão do plano: o prazo, agora, estende-se até o fim de 2014.


Mesmo esse prazo parece otimista, agora, quando se considera o peso dos compromissos assumidos pelo governo com os financiamentos a empresas via BNDES, com a Copa da Fifa, com a Olimpíada do Rio de Janeiro, com a exploração da camada do pré-sal, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e, é claro, com os programas sociais. Some-se ainda o inchaço da folha de pessoal, agravado pelas contratações do ano passado, e dos encargos da Previdência.

PARA completar, o País gastou com importações neste ano, até Julho, 45,1% mais do que um ano antes e exportou 27% mais. O descompasso tende a persistir. O superávit comercial encolhe com rapidez. O déficit em conta corrente chegou a US$ 43,8 bilhões em 12 meses e poderá alcançar uns US$ 50 bilhões em 2010. Para 2011 a previsão fica em torno de US$ 60 bilhões. Não há risco imediato de crise cambial, mas as contas deterioram com rapidez e o quadro externo aumenta a preocupação.

A RESPOSTA mais óbvia e mais prudente é a adoção de uma séria política de competitividade, com reforma dos impostos, aumento do crédito aos exportadores e investimentos urgentes na infraestrutura.

E QUANTO mais se perde receita, mais é preciso gastar. Esta parece ser a inexplicável lógica predominante na administração pública sob o lullismo, em todos os níveis, quando a questão é os ganhos do funcionalismo público. Em 2009, ano em que a crise mundial mais afetou a atividade econômica no Brasil e, por isso, fez cair, em termos reais, o total de impostos arrecadados pela União Federal, pelos Estados e pelos Municípios, o número de novos empregos no setor público quadruplicou em relação a 2008. Desse modo, a administração pública se tornou o segundo setor da economia que mais contratou naquele ano.

AQUELA crise provocou uma brusca redução do ritmo de atividade da economia no ano passado. Em 2008, o PIB cresceu 5,1%, mas, em 2009, encolheu 0,2%. As finanças públicas foram claramente afetadas. No ano passado, a União Federal, os Estados e os Municípios arrecadaram R$ 1,09 trilhão, valor 3,4% maior do que o total de impostos arrecadados em 2008, em termos nominais. Como a inflação em 2009 ficou em 4,31%, em valores reais a arrecadação encolheu, fato que já era previsto desde o início do ano.

O IMPACTO da forte desaceleração da economia sobre o mercado de trabalho no ano passado, no entanto, foi mitigado por diversos fatores, entre os quais os estímulos fiscais oferecidos pelo governo para alguns setores escolhidos e a ampla oferta de crédito para o consumo. A temerária decisão dos administradores públicos de contratar funcionários em massa, num período de notórias dificuldades para todos e de queda das receitas tributárias em termos reais, contribuiu muito para preservar o nível de emprego no País - a um custo altíssimo, porém.

OS GOVERNOS nas três esferas contrataram tanto que, de um ano para outro, conseguiram mudar a composição dos empregos abertos no País, como constatou um estudo da economista Luiza Rodrigues, do Banco Santander, citado em reportagem recente do Jornal Valor Econômico. Em 2008, com a contratação, em seus três níveis, de 112 mil funcionários, a administração pública ocupava a quarta posição como geradora de empregos, entre cinco setores econômicos. Ficou atrás do setor de serviços, do comércio e da indústria, e à frente apenas do setor agropecuário. No ano passado contratou 454 mil servidores, 305% mais do que em 2008, e passou a ocupar a segunda posição, superada apenas pelo setor de serviços.

O EFEITO das contratações do setor público não foi detectado pelo registro mais conhecido dos empregos formais do País, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE). Esse cadastro leva em conta apenas as contratações pelo regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não as admissões pelo regime estatutário dos funcionários públicos, predominantes na área pública. Assim, o Caged registrou apenas 18 mil novos empregos no setor público em 2009. Já a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) é mais completa - a de 2009 foi divulgada há pouco, e foi nela que se baseou o estudo.

ENTRE os casos extremos está o do Estado de Roraima, onde, no ano passado, o total de funcionários públicos (federais, estaduais e municipais) foi duplicado. Até Janeiro de 2009, havia no Estado 19,8 mil funcionários públicos; ao longo do ano, foram contratados nada menos de 20,1 mil novos servidores, o que elevou o total para praticamente 40 mil.

É DIFÍCIL justificar o crescimento da folha de pagamentos do setor público como medida anticíclica, adotada para conter os efeitos negativos da crise econômica mundial sobre a economia brasileira. Embora discutíveis, por causa de seu caráter seletivo, as reduções tributárias oferecidas pelo governo ao longo de 2009, algumas das quais chegaram até este ano, podem ser classificadas como medidas anticíclicas, que são mantidas apenas durante um certo tempo.

A CONTRATAÇÃO de servidores públicos não é medida de efeito temporário. Ela produz gastos permanentes, que terão de ser cobertos pelos contribuintes. Ela significa, em resumo, o inchaço adicional e permanente da administração pública, que já é pesada, grande e cara demais. 

A PRECÁRIA situação das contas públicas tornará essa tarefa muito mais difícil. Esse trabalho ainda será prejudicado pela baixa qualidade gerencial do setor público - parte das bombas de efeito retardado deixadas por Luiz Inácio da Silva ao próximo governo.