Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, julho 20, 2010

Nova e “promissora boquinha” para os “bons companheiros”

San Diego (EUA) - O GOVERNO Luiz Inácio da Silva (2003-10) resolveu criar mais uma empresa estatal, desta vez uma seguradora, e não quer saber de contestações. Não haverá recuo, garantiu o ministro de Estado da Fazenda, Guido Mantega (PT-SP). Segundo Mantega, o setor privado é incapaz de atender às necessidades de seguros do País. Essa opinião é refutada por empresários e especialistas, mas o ministro não apresenta um só argumento para sustentar sua afirmação. A decisão foi tomada, e isso basta. Mas a reação do mercado e dos meios de comunicação já produziu pelo menos um efeito. Pelo plano inicial, a empresa seria criada por meio de Medida Provisória (MP) da Presidência da República. Essa ideia foi abandonada e o Poder Executivo deverá mandar ao Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL). A empresa estatal só existirá legalmente depois de aprovado e sancionado o PL. Mas essa mudança, embora positiva, não torna a ideia mais defensável

SEGUNDO agentes do governo, a nova companhia - Empresa Brasileira de Seguros (EBS) -, é necessária para garantir os grandes projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), as obras vinculadas à Copa do Mundo Fifa em 2014 e aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016 e também as exportações de produtos com valor agregado. Mas o texto encaminhado ao Gabinete Civil da Presidência da República do Brasil estabelece um campo muito mais amplo de atuação.

NESSE contexto, a empresa deverá oferecer todos os tipos de seguros e concorrerá amplamente com o setor privado. Esse detalhe, segundo uma fonte do governo ouvida pela nossa reportagem, foi corrigido, mas a extensão da mudança não foi esclarecida.

PARA os especialistas em seguros, nem mesmo para as obras do PAC, da Copa do Mundo Fifa e da Olimpíada do Rio de Janeiro é necessária uma seguradora estatal. O mercado, argumentam, tem capacidade financeira mais que suficiente para atender às necessidades. Muito menos justificável, portanto, será a atuação de uma empresa estatal em outras áreas do seguro.

A CRIAÇÃO desta EBS, afirmou Mantega, será essencial para a operação do Eximbank nacional, o agente financeiro encarregado de financiar exportações. O próprio Eximbank não poderia cuidar do seguro das operações de comércio exterior. Novamente Mantega apresentou uma alegação sem sustentá-la.

DE QUALQUER forma, sua afirmação vale como um alerta e justifica uma pergunta: quantas novas estatais serão necessárias, segundo os petistas, para apoiar a expansão das exportações brasileiras? A criação de um canal de financiamento especializado em exportações é justificável com base na experiência de grandes potências comerciais e também do Brasil. Bancos estatais já realizam essa tarefa e um Eximbank, presumivelmente, poderá executá-la com maior eficiência. Mas isso não justifica a existência de uma estatal como a EBS.

GUIDO Mantega prometeu chamar o setor privado para discutir. Mas o convite será essencialmente uma esperteza. A decisão de enviar a proposta ao Congresso Nacional já está tomada, segundo Mantega, e não será alterada. Logo, a discussão servirá acima de tudo para legitimar a criação da EBS. O governo já ganhará um lance antes de mandar o texto ao Poder Legislativo. Afinal, o grande problema não é a forma de operação da empresa: é a sua existência.

ATÉ o presente momento, o governo foi incapaz de apresentar um único argumento econômico ou técnico para justificar a criação de uma seguradora estatal. A decisão de desestatizar o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) foi acertada, embora tardia. A criação da EBS será um retrocesso.

E COMO não há razão econômica ou técnica para a formação dessa empresa, a decisão do governo só é inteligível se outras motivações forem consideradas. Não se trata, como ficou claro, de ocupar um espaço ainda vazio por incapacidade ou desinteresse do setor privado.

EMPREGAR amigos da corte é o motivo mais óbvio e talvez nem seja o mais prejudicial. O setor de seguros, como já se viu no caso do IRB, pode ser um terreno propício a malandragens, quando a empresa não está sujeita a controles estritos nem à concorrência. Além disso, uma companhia como a EBS pode ser um instrumento poderoso de pressões, de barganhas e de jogadas tanto financeiras quanto políticas. O cardápio das tentações será amplo e apetitoso.