Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, abril 25, 2010

Cinqüentenária

AINDA em obras apelidada pelo, então, ministro de Estado da Cultura da França, André Malraux, de "A Capital da Esperança", Brasília (DF) - que completou 50 anos na última Quarta-feira, 21, não merecia a crise política que levou à inédita prisão e ao afastamento de seu governador, eleito por voto direto, e à posse, há pouco, de um substituto, escolhido de forma indireta para exercer um mandato-tampão. Atropelado pela crise iniciada no fim de 2009, com a apresentação de provas indiscutíveis de corrupção, o governo distrital não teve condições de organizar a grande comemoração do cinqüentenário que certamente merecia essa Capital, nascida em um ambiente de desconfiança que ao longo do tempo conseguiu desfazer.

BRASÍLIA firmou-se como símbolo da modernização do Brasil e, sobretudo, como marco da nova forma de distribuição da população e do sistema produtivo pelo território nacional e, a despeito dos ônus que sua construção apressada impôs às finanças públicas do País, mereceu o nome com que a batizou Malraux.

A NOVA Capital nasceu da obsessão de um político disposto a tornar realidade um dispositivo da Constituição Federal promulgada em 1946 que determinava a transferência da capital da República para o Planalto Central do Brasil. Por causa dessa ideia, que transformou em seu principal programa de governo, o então presidente da República, Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956 -1961), foi por alguns considerado um visionário, por outros, um aventureiro.

E A PRECARIEDADE de suas instalações à época da inauguração tornava a cidade "desumana", como descreveram nossos historiadores. Amargurava os congressistas da época - 456 senadores e deputados que passariam a desempenhar suas funções de representantes do povo longe dos confortos que lhes oferecera até então a Cidade do Rio de Janeiro -, a dolorosa realidade da nova Capital, na qual faltavam telefones, as condições de habitação eram precárias e o pó, infernal.

CONTUDO a inauguração de Brasília foi mais do que um espetáculo que emocionou a população de várias partes do País. Sua repercussão foi internacional. "Nunca o Brasil foi tão falado no mundo como agora", observaram todas as reportagens sobre o tema publicadas à época, dias depois da inauguração. "A Europa, que persistia em nos ignorar, rende-se à evidência dos fatos e reconhece como realidade concreta o florescimento no Brasil de um tipo de cultura autônoma que se projeta como afirmação de élan vital e de maturidade", dizia um editorial do Jornal O GLOBO da época. Em seguida, citou o editorial do jornal londrino News Chronicle: "Brasília é tida em todo o mundo como a obra-prima arquitetônica do século".

É FATO que a Capital Federal continua a ser lembrada em todo o mundo por seu projeto urbanístico - mesmo que o projeto ainda hoje continue a provocar muita polêmica -, e por alguns de seus principais edifícios.

ESTE É, porém, apenas um dos aspectos essenciais de sua história. Outro foi o de ter constituído o marco inicial da marcha para o Oeste, ou seja, a conquista de uma região até então praticamente ignorada pela população e pelos empreendedores.

COMO observam alguns historiadores econômicos, que a evolução natural da agricultura, com a descoberta de variedades mais apropriadas para as condições locais, certamente, acabaria levando ao desenvolvimento agrícola da Região Centro-Oeste. Mas não parece haver dúvidas de que a instalação da Capital do País no Planalto Central acelerou a ocupação do Centro-Oeste e estimulou as pesquisas científicas que abriram o caminho para a agricultura e para a pecuária na região.

NO ENTANTO foi demasiadamente longo, o impacto negativo que a frenética construção da nova Capital teve sobre as finanças públicas. A calamitosa situação das finanças nacionais, sem precedentes na história do País, constituía, por si só, razão de sobra para nos dissuadir da insensatez de recorrer a emissões sem conta com o único objetivo de edificar, no curto espaço de cinco anos, uma cidade que, pelas suas proporções, deixaria a perder de vista Washington (DC), delineada e construída há mais de um século e meio, Camberra, na Austrália, e Ancara, na Turquia asiática.

ASSIM, antecipava-se o flagelo da inflação descontrolada, provocada pela construção de Brasília, da qual o País só conseguiria se livrar quatro décadas depois, em 1994, graças ao Plano Real.