Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, abril 22, 2010

Aventura bancada à custa da bolsa da eterna “viúva”

BEM... Desta vez, ao contrário do que acontecia no passado recente, quando empresas privadas disputavam ferozmente grandes obras públicas, não houve a publicação de informações cifradas em jornais de circulação nacional para apontar previamente o vencedor do leilão, numa indicação de acerto ilícito entre autoridades e dirigentes de determinada empreiteira. Não havia nenhuma necessidade desse tipo de denúncia no caso do leilão, marcado para a última Terça-feira, 20, da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu. Dois consórcios disputam a obra, o que, diz o presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica, Nelson Huber, garantiria "uma competição forte". Mas o vencedor já era conhecido. Qualquer que fosse o resultado, o responsável pela construção da usina será o próprio governo - obcecadamente empenhado, por razões puramente eleitorais, em iniciar o mais depressa possível essa obra mais do que polêmica.

DEVIDO às muitas dúvidas sobre a viabilidade econômico-financeira do empreendimento nas condições fixadas pelo governo - a tarifa máxima considerada irreal, as incertezas quanto ao custo da obra e as condições de operação da usina -, duas construtoras - a Odebrecht e a Camargo Corrêa - desistiram do leilão. A desistência fortaleceu as dúvidas a respeito das projeções apresentadas pelo governo para o custo da obra e para o desempenho da hidrelétrica.

CONTUDO, após ter ameaçado convocar os grandes institutos de aposentadorias e pensões de empresas públicas e estatais - como o Petros, da Petrobrás S/A; o Previ, do Banco do Brasil S/A (BB); e o Funcef, da Caixa Econômica Federal (CEF) - para participar da licitação em associação com empresas privadas, o governo conseguiu a adesão de outros grupos particulares aos consórcios liderados por estatais do setor. O consórcio liderado pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), empresa estatal que integra a holding Eletrobrás, que terá participação de 49,98% foi o vencedor o leilão. O outro consórcio é liderado pela Companhia Furnas Centrais Elétricas e a Empresa Eletrosul, também integrantes da holding Eletrobrás, com participação de 49%.

E POR pressão dos grupos privados participantes dos dois consórcios, o governo deixou de fora deles a companhia estatal Eletronorte, que liderou os estudos para a construção de Belo Monte e tem conhecimento considerado decisivo para a execução da obra. Mas a Eletronorte não ficará de fora do projeto. Esteve fora, sim, do leilão, mas já ficou acertado que a estatal integrará o grupo vencedor como "sócio estratégico". Anuncia-se que a participação da Eletronorte no consórcio vencedor implicará a redução da participação da outra estatal, de modo que a participação das empresas controladas pelo governo no grupo fique abaixo de 50% do capital total.

E MESMO que a participação estatal se limite a isso, o governo terá papel decisivo no consórcio, pois caberá à Eletronorte a operação da futura usina.

ALÉM disso, outra empresa estatal, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), poderá financiar até 80% da construção de Belo Monte. Até alguns dias atrás, admitia-se que o banco estatal financiaria até 70% do custo total da usina. Mas as dificuldades para a atração de bancos privados para o financiamento da obra, por muitos considerada uma aventura técnica e financeira de alto risco, levou o BNDES a aumentar sua participação no projeto.

ESSE processo de estatização da Usina Hidroelétrica Belo Monte é decorrência natural do modelo criado pela então ministra de Estado das Minas e Energia (2003-05), Dilma (Pinóquio) Rousseff, para o setor energético brasileiro. Como mostrou o economista Rogério L. Furquim Werneck em artigo publicado na última Sexta-feira, 16, no Jornal O GLOBO, esse modelo fixou como critério básico a modicidade tarifária, o que é um objetivo defensável. Mas, para oferecer tarifas módicas aos consumidores, o modelo deveria estimular a expansão da oferta de energia, para isso atraindo investimentos privados.

ENTRETANTO, ao fixar, por razões eleitoreiras, tarifas irrealisticamente comprimidas, o lullismo afugentou capitais privados. Para o projeto não fracassar inteiramente, está canalizando para ele todos os recursos públicos disponíveis.

OBVIAMENTE o governo está estatizando o risco de Belo Monte. As gerações futuras podem ser condenadas a pagar a conta.