Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, março 26, 2011

Conflito jurídico

TAÍ, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nove meses depois da promulgação da Lei da Ficha Limpa (LFL), - implicitamente - que ela é constitucional. E - explicitamente - que a sua aplicação nas eleições de 2010 feriu a Constituição Federal do Brasil (CFB) – a Magna Carta dessa Nação. A questão da vigência da Lei provocou um legítimo confronto doutrinário nas duas vezes em que a Corte se pronunciou a respeito. A primeira votação, no julgamento do recurso de um candidato a deputado estadual aqui em Minas Gerais, barrado pela Justiça Eleitoral por ter sido condenado por improbidade administrativa, terminou empatada. Cinco ministros do STF concordaram com o argumento de que a aplicação imediata da lei contrariava a nossa CFB. Cinco outros ministros do STF discordaram.

ENTÃO, o julgamento ficou em suspenso, como se sabe, porque não havia sido preenchida a vaga do ex-ministro Eros Grau, que se aposentara, e o presidente daquela Corte suprema, ministro Cezar Peluso, se recusou a dar o voto de Minerva. Nomeado pela presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), este décimo primeiro ministro, Luiz Fux, o caso foi retomado e resolvido na noite da última Quarta-feira, 23. Visto que nenhum dos 10 mudou seu voto, coube a Fux superar o impasse - e ele desempatou em favor do requerente. Não deixou, porém, de saudar a LFL como "a lei do futuro" e "uma aspiração legítima do cidadão brasileiro", pelo seu potencial moralizador da política nacional. A decisão não beneficia apenas o político mineiro que impetrou o recurso. Vale para todos quantos receberam votos suficientes para assumir uma cadeira nas Assembleias Legislativas, na Câmara dos Deputados e Senado Federal, mas não puderam assumir por causa de seu prontuário policial e judicial.

TRÊS dezenas de políticos recorreram ao STF. O caso mais notório é o do ex-governador do Estado do Pará, Jader Barbalho (PMDB-PA), considerado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) depois de já ter sido eleito para o Senado Federal. Ele havia caído na malha da Ficha Limpa por ter renunciado à cadeira na mesma Casa do Poder Legislativo, em 2001, para escapar de um processo de cassação do mandato, movido por seus pares. Dois outros candidatos impugnados ao Senado Federal - Cássio Lima (PSDB-PB), no Estado da Paraíba, condenado por abuso de poder econômico, e João Capiberibe (PSB-AP), no Estado do Amapá, por compra de votos - também serão empossados. O número de assentos na Câmara Federal que mudarão de dono depende da revisão do cálculo do quociente eleitoral. A julgar pelos comentários de leitores publicados na Imprensa, é geral o repúdio à decisão do STF. Mas, sem jogo de palavras, trata-se de uma injustiça. Embora por maioria de 1 voto, a Corte suprema preferiu uma de duas alternativas perfeitamente sustentáveis.

NO plano do Direito, tratava-se de dar primazia ou ao artigo 14 ou ao artigo 16 da CFB. O primeiro, em nome da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato, "considerada a vida pregressa do candidato", prevê a inelegibilidade dos que tiverem, entre outras coisas, atentado contra o patrimônio público. É o princípio que ampara a LFL, invocado, por exemplo, pelo ministro Ayres Brito. O segundo artigo, citado por seu colega, Gilmar Mendes, relator do processo, estipula que "a lei que alterar o processo eleitoral" não se aplica à eleição que ocorra até um ano depois da data de sua sanção. São exemplos da detalhista Constituição Federal brasileira, na qual coexistem preceitos conflitantes entre si, quando não paradoxais.

JÁ no plano dos fatos, a questão a dirimir era se a Ficha Limpa alterou efetivamente o processo eleitoral. Essa é a convicção do ministro Luiz Fux, para quem a criação de novas regras de elegibilidade às vésperas de um pleito afeta a segurança de candidatos e eleitores. Disso discorda o ministro Ricardo Lewandowski, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele afirmou que "não se verificou alteração da chamada paridade de armas" entre os candidatos. De toda maneira, fiel ao princípio de não se manifestar sobre algo além do que lhe foi pedido, o plenário do STF deixou em aberto o ponto talvez mais polêmico da LFL: será que a Lei pode bloquear candidaturas de políticos condenados por malfeitos antes da sua promulgação? Essa questão entrará em cena se não no pleito municipal de 2012 - o primeiro sob a égide da Ficha Limpa - com certeza nas eleições estaduais e federais em 2014. E o plenário do STF será provocado novamente a se manifestar. no