Manipulações e ideologias terceiro-mundistas
ESTA guerra cambial que o mundo assiste nos últimos meses é o assunto mais importante da reunião de cúpula do Grupo dos 20 (G-20)que encerra-se hoje em Seul. Tudo foi armado para um grande confronto. A palavra guerra podia ser um exagero até agora, mas o ambiente, já envenenado, piorou muito desde a semana passada, quando a direção do Federal Reserve (Fed - o banco central norte-americano) anunciou a disposição de lançar US$ 600 bilhões nos mercados até o meio do próximo ano. Se o plano for cumprido, serão emitidos em média US$ 75 bilhões por mês. Ninguém sabe se isso ajudará a economia dos Estados Unidos da América (EUA) a recuperar-se, mas sobre um ponto não há dúvida: com as novas emissões a depreciação da moeda norte-americana tenderá a acentuar-se e isso agravará os problemas comerciais da maior parte dos países, tanto desenvolvidos quanto em desenvolvimento. O Brasil, já afetado há alguns anos pela valorização do real, sofrerá perdas maiores em suas contas externas, se o desajuste cambial se acentuar.
O PRESIDENTE da República dos EUA, Barack Houssein Obama, enfrenta forte resistência às suas propostas nesta reunião de Seul. Sem a promessa do Fed de emitir os US$ 600 bilhões, Barack Obama poderia mais facilmente mobilizar o apoio de líderes de outros países desenvolvidos para pressionar o governo da China a valorizar sua moeda, o yuan. Afinal, todos se queixam, desde antes da crise mundial, da manipulação do câmbio pelas autoridades chinesas.
UMA nova proposta do governo norte-americano concentra a pressão sobre o governo da China e é mais aceitável para os alemães do que aquela apresentada há algumas semanas no encontro ministerial, em Gyeongju, preparatório dessa reunião de cúpula em Seul. Naquela outra reunião, o secretário Timothy Geithner defendeu a adoção de um limite para os superávits ou déficits das contas externas - 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Os alemães, com superávit de 6,1% em transações correntes, reagiram muito mal e alegaram fazer parte de uma união monetária, a do euro. Não poderiam, portanto, valorizar sua moeda. Em seu novo lance, o governo dos EUA leva em conta esse argumento e, além disso, propõe uma "banda indicativa" para a adoção de políticas de ajuste. O confronto direto, portanto, é com a China, detentora de superávit de 4,7% nas contas correntes. Mas a política norte-americana de afrouxamento monetário - embora realizada por um banco central independente do Poder Executivo - foi recebida com críticas muito duras por governos de países tanto desenvolvidos quanto emergentes.
OBAMA resolveu buscar algum apoio por meio de ações paralelas. Em Nova Délhi, esta semana, o presidente da República dos EUA declarou apoio à inclusão da Índia no Conselho de Segurança das Nações Unidas como membro permanente. O governo brasileiro até hoje não conseguiu esse apoio e não se pode prever se um dia conseguirá. Além disso, Barack Obama anunciou o afrouxamento de restrições à exportação de certos tipos de tecnologia à Índia.
O GOVERNO do Brasil pretende incluir na declaração final do encontro uma recomendação para o uso de "instrumentos macroprudenciais" para controle dos fluxos de capital. Em linguagem comum, isso corresponde a "controles". Não será uma revolução. Desde o ano passado o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem apoiado o uso temporário de controles e o governo brasileiro já os adotou. Além disso, as autoridades brasileiras têm criticado as propostas norte-americanas de limite para os desequilíbrios externos e atribuem às políticas dos EUA o agravamento da desordem cambial. Na interpretação brasileira, o governo chinês tem apenas procurado compensar a depreciação do dólar. Essa interpretação omite um fato: o yuan já era subvalorizado antes da crise e o governo chinês continua manipulando a moeda. Só uma decisão ideológica - mais um lance terceiro-mundista - pode explicar o alinhamento brasileiro nesse caso.
OS CHEFES de governo discutem ainda a reforma do sistema financeiro. O roteiro foi antecipadamente montado. Outro dado positivo se refere à redistribuição de cotas e votos no FMI. O esquema geral foi aprovado na última Sexta-feira, 05, pela diretoria executiva daquela Instituição. É uma boa notícia, mas não resolve a disputa cambial.
POR outro lado, o número de medidas protecionistas nas áreas comercial e financeira adotadas em 2010 na maioria dos países do G-20 caiu em relação às do ano passado, como resposta local aos efeitos da crise internacional. Nos últimos meses, a maioria desses países resistiu às pressões domésticas pela criação de novas barreiras à entrada de bens, serviços e investimentos.
ISSO é o que mostram relatórios conjuntos elaborados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como preparação para a reunião dos chefes de governo do G-20.
EM 2010 o Brasil recorreu com mais frequência do que a maioria dos demais países a medidas de defesa comercial. O uso excessivo dessas medidas, normalmente aceitas pelas organizações internacionais, pode indicar proteção disfarçada a áreas sensíveis da indústria local. O Brasil foi também dos poucos que impuseram restrições a investimentos estrangeiros.
CONFORME estudo divulgado pela OMC, o Brasil foi, entre os países do G-20, o segundo que mais abriu investigações antidumping nos nove primeiros meses deste ano. Foram 23 novos processos, contra apenas 4 em todo o ano passado. Do G-20, só a Índia iniciou mais investigações que o Brasil (32 casos). A União Europeia (UE), com 13, ficou em terceiro lugar.
SE TAIS investigações resultarem na comprovação de prática de dumping -, isto é, a venda por preços considerados desleais para afastar a concorrência, pelo país denunciado -, o país prejudicado terá permissão para adotar medidas de defesa, como a imposição de tarifas extras. No caso do Brasil, o grande alvo das denúncias tem sido a China, já sujeita a barreiras para colocar no mercado brasileiro artigos como canetas, sapatos, produtos químicos, têxteis e aço.
POR SUA vez a Unctad apontou o Brasil como um dos quatro países do G-20 (ao lado de Austrália, Indonésia e Coreia do Sul) que, neste ano, impuseram restrições à compra de terras por estrangeiros. Quanto ao controle da entrada de capital, o Brasil é um dos três (com Indonésia e Coreia do Sul) que o impuseram.
ADEMAIS, entre os membros do G-20 o Brasil é o que tem menos tratados internacionais ou bilaterais de investimento. São apenas 34, contra 74 da Argentina, 101 da África do Sul e 140 da China.
O RELATÓRIO dessas três organizações internacionais não tem o objetivo de apontar este ou aquele país como mais ou menos protecionista do que os demais, embora os governantes daqueles que mais recorreram a medidas desse tipo devessem refletir sobre a sua oportunidade, sua eventual eficácia e, sobretudo, sobre as perdas que elas podem provocar para os países que as adotam e para o resto do mundo. O objetivo da OMC, da Unctad e da OCDE é apresentar um quadro da evolução do protecionismo e das medidas destinadas a liberalizar o fluxo internacional de bens, serviços e investimentos, para advertir os governantes do G-20 sobre, de um lado, os efeitos negativos das medidas protecionistas para a economia mundial e, de outro, a necessidade de estimular aquele fluxo como meio de reativar as atividades econômicas afetadas pela crise de 2008.
NUMA advertência aos países que utilizam a taxa de câmbio para aumentar as exportações, as três organizações observam que essa prática coloca em risco a estabilidade do sistema mundial de comércio. Acrescentam que "problemas econômicos cujas origens estão fora do campo do comércio e dos investimentos não podem ser resolvidos com restrições ao fluxo internacional de bens e capital", pois o protecionismo "apenas tornará mais difícil a tarefa de encontrar e colocar em prática soluções duradouras para o problema".
Por isso, afirmam que o livre fluxo de comércio e investimentos "tem sido e continuará sendo crucial para assegurar oportunidades aos países para sair da crise global, sobretudo num momento de crescentes dificuldades fiscais em muitos deles".
O PRESIDENTE da República dos EUA, Barack Houssein Obama, enfrenta forte resistência às suas propostas nesta reunião de Seul. Sem a promessa do Fed de emitir os US$ 600 bilhões, Barack Obama poderia mais facilmente mobilizar o apoio de líderes de outros países desenvolvidos para pressionar o governo da China a valorizar sua moeda, o yuan. Afinal, todos se queixam, desde antes da crise mundial, da manipulação do câmbio pelas autoridades chinesas.
UMA nova proposta do governo norte-americano concentra a pressão sobre o governo da China e é mais aceitável para os alemães do que aquela apresentada há algumas semanas no encontro ministerial, em Gyeongju, preparatório dessa reunião de cúpula em Seul. Naquela outra reunião, o secretário Timothy Geithner defendeu a adoção de um limite para os superávits ou déficits das contas externas - 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Os alemães, com superávit de 6,1% em transações correntes, reagiram muito mal e alegaram fazer parte de uma união monetária, a do euro. Não poderiam, portanto, valorizar sua moeda. Em seu novo lance, o governo dos EUA leva em conta esse argumento e, além disso, propõe uma "banda indicativa" para a adoção de políticas de ajuste. O confronto direto, portanto, é com a China, detentora de superávit de 4,7% nas contas correntes. Mas a política norte-americana de afrouxamento monetário - embora realizada por um banco central independente do Poder Executivo - foi recebida com críticas muito duras por governos de países tanto desenvolvidos quanto emergentes.
OBAMA resolveu buscar algum apoio por meio de ações paralelas. Em Nova Délhi, esta semana, o presidente da República dos EUA declarou apoio à inclusão da Índia no Conselho de Segurança das Nações Unidas como membro permanente. O governo brasileiro até hoje não conseguiu esse apoio e não se pode prever se um dia conseguirá. Além disso, Barack Obama anunciou o afrouxamento de restrições à exportação de certos tipos de tecnologia à Índia.
O GOVERNO do Brasil pretende incluir na declaração final do encontro uma recomendação para o uso de "instrumentos macroprudenciais" para controle dos fluxos de capital. Em linguagem comum, isso corresponde a "controles". Não será uma revolução. Desde o ano passado o Fundo Monetário Internacional (FMI) tem apoiado o uso temporário de controles e o governo brasileiro já os adotou. Além disso, as autoridades brasileiras têm criticado as propostas norte-americanas de limite para os desequilíbrios externos e atribuem às políticas dos EUA o agravamento da desordem cambial. Na interpretação brasileira, o governo chinês tem apenas procurado compensar a depreciação do dólar. Essa interpretação omite um fato: o yuan já era subvalorizado antes da crise e o governo chinês continua manipulando a moeda. Só uma decisão ideológica - mais um lance terceiro-mundista - pode explicar o alinhamento brasileiro nesse caso.
OS CHEFES de governo discutem ainda a reforma do sistema financeiro. O roteiro foi antecipadamente montado. Outro dado positivo se refere à redistribuição de cotas e votos no FMI. O esquema geral foi aprovado na última Sexta-feira, 05, pela diretoria executiva daquela Instituição. É uma boa notícia, mas não resolve a disputa cambial.
POR outro lado, o número de medidas protecionistas nas áreas comercial e financeira adotadas em 2010 na maioria dos países do G-20 caiu em relação às do ano passado, como resposta local aos efeitos da crise internacional. Nos últimos meses, a maioria desses países resistiu às pressões domésticas pela criação de novas barreiras à entrada de bens, serviços e investimentos.
ISSO é o que mostram relatórios conjuntos elaborados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) como preparação para a reunião dos chefes de governo do G-20.
EM 2010 o Brasil recorreu com mais frequência do que a maioria dos demais países a medidas de defesa comercial. O uso excessivo dessas medidas, normalmente aceitas pelas organizações internacionais, pode indicar proteção disfarçada a áreas sensíveis da indústria local. O Brasil foi também dos poucos que impuseram restrições a investimentos estrangeiros.
CONFORME estudo divulgado pela OMC, o Brasil foi, entre os países do G-20, o segundo que mais abriu investigações antidumping nos nove primeiros meses deste ano. Foram 23 novos processos, contra apenas 4 em todo o ano passado. Do G-20, só a Índia iniciou mais investigações que o Brasil (32 casos). A União Europeia (UE), com 13, ficou em terceiro lugar.
SE TAIS investigações resultarem na comprovação de prática de dumping -, isto é, a venda por preços considerados desleais para afastar a concorrência, pelo país denunciado -, o país prejudicado terá permissão para adotar medidas de defesa, como a imposição de tarifas extras. No caso do Brasil, o grande alvo das denúncias tem sido a China, já sujeita a barreiras para colocar no mercado brasileiro artigos como canetas, sapatos, produtos químicos, têxteis e aço.
POR SUA vez a Unctad apontou o Brasil como um dos quatro países do G-20 (ao lado de Austrália, Indonésia e Coreia do Sul) que, neste ano, impuseram restrições à compra de terras por estrangeiros. Quanto ao controle da entrada de capital, o Brasil é um dos três (com Indonésia e Coreia do Sul) que o impuseram.
ADEMAIS, entre os membros do G-20 o Brasil é o que tem menos tratados internacionais ou bilaterais de investimento. São apenas 34, contra 74 da Argentina, 101 da África do Sul e 140 da China.
O RELATÓRIO dessas três organizações internacionais não tem o objetivo de apontar este ou aquele país como mais ou menos protecionista do que os demais, embora os governantes daqueles que mais recorreram a medidas desse tipo devessem refletir sobre a sua oportunidade, sua eventual eficácia e, sobretudo, sobre as perdas que elas podem provocar para os países que as adotam e para o resto do mundo. O objetivo da OMC, da Unctad e da OCDE é apresentar um quadro da evolução do protecionismo e das medidas destinadas a liberalizar o fluxo internacional de bens, serviços e investimentos, para advertir os governantes do G-20 sobre, de um lado, os efeitos negativos das medidas protecionistas para a economia mundial e, de outro, a necessidade de estimular aquele fluxo como meio de reativar as atividades econômicas afetadas pela crise de 2008.
NUMA advertência aos países que utilizam a taxa de câmbio para aumentar as exportações, as três organizações observam que essa prática coloca em risco a estabilidade do sistema mundial de comércio. Acrescentam que "problemas econômicos cujas origens estão fora do campo do comércio e dos investimentos não podem ser resolvidos com restrições ao fluxo internacional de bens e capital", pois o protecionismo "apenas tornará mais difícil a tarefa de encontrar e colocar em prática soluções duradouras para o problema".
Por isso, afirmam que o livre fluxo de comércio e investimentos "tem sido e continuará sendo crucial para assegurar oportunidades aos países para sair da crise global, sobretudo num momento de crescentes dificuldades fiscais em muitos deles".
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