Pequenos detalhes
WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE
Um detalhe pequeno (mas importante) que adoro nos filmes de Woody Allen: a abertura, sempre igual, com a mesma tipologia compondo as letras brancas vazadas sobre o fundo preto, enquanto uma música dá o tom do que virá.
WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE
Um detalhe pequeno (mas importante) que adoro nos filmes de Woody Allen: a abertura, sempre igual, com a mesma tipologia compondo as letras brancas vazadas sobre o fundo preto, enquanto uma música dá o tom do que virá.
Em “Ponto final — match point” esta música é, pela primeira vez, uma ária de ópera: “Una furtiva lacrima”, de “O Elixir do Amor”, de Donizetti. Mas como Woody Allen é Woody Allen, a gravação é mono, antiga e aparentemente sem remasterização, e a voz é de Enrico Caruso. É ele também quem canta “Mi par d’udir ancora”, do “Pescador de pérolas”, de Bizet, e outros trechinhos diversos — inclusive um, informa o Internet Movie Database (imdb para os íntimos), de Carlos Gomes.
Com todo este variado cardápio musical, porém, o que ficou mesmo rodando na vitrola que ainda se esconde num desvão da minha cabeça foi a antiqüíssima gravação da abertura, vinda aparentemente do princípio dos tempos. Sinceramente: “Una furtiva lacrima”, ouvida assim, dá vontade de cortar os pulsos. Não é à toa que esta é uma das árias mais populares da História.
Atribuo boa parte do clima de “Ponto final — match point” à sua inesperada e espetacular trilha sonora. A ópera tem uma densidade dramática imbatível, que sublinha e acentua o destino inelutável das personagens. Não há jazz, samba ou rock’n roll que façam isso.
O filme (muito pouco “woody-alleniano”) é extraordinário, uma espécie de “Crime e castigo” remixado com Shakespeare e um quê de tragédia grega, tenso do começo ao fim. Uma bola de tênis filmada em câmera lenta, que ao bater na rede tanto pode cair para um lado quanto para o outro, é a metáfora perfeita para uma parábola sobre a sorte, em que, naturalmente, nem sempre as aparências correspondem à realidade. A moral da história — cuidado com o que você pede aos deuses: eles podem atender ao seu pedido — não chega a ser nova; mas o final é. Há tempos Woody Allen não faz um filme tão bom.
Empolgado com esta obra-prima, resolvi botar minha vida cinematográfica em dia e também fui ver “Boa noite, boa sorte”, de George Clooney. É ótimo!
Você sabe, claro: este é aquele filme em P&B que mostra o duelo verbal entre o apresentador Edward R. Murrow (David Strathairn, perfeito) e o senador Joseph McCarthy (ele mesmo, em fitas antigas). Qualquer semelhança entre a caça às bruxas da época (que passou à História com o apropriado nome de “macarthismo”) e a atual paranóia antiterrorista norte-americana não é mera coincidência — mas diga-se a favor do diretor e do roteirista que eles confiaram na inteligência da platéia e não forçaram a mão em momento algum.
Grande arte é o Cinema!
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