Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, maio 04, 2011

Justiça dos homens

O LÍDER supremo da organização terrorista Al-Qaeda, responsável, entre outros atentados, pelos ataques suicidas de 11 de Setembro de 2001 em território norte-americano que deixaram perto de 3 mil mortos, vivia com familiares e asseclas em fortificado casarão de 3 andares em Abbottabad, cidade paquistanesa de 500 mil habitantes, cerca de 120 quilômetros ao norte da capital Islamabad e sede da principal academia militar daquele país, abrigando diversas unidades do Exército paquistanês. Osama bin Laden, o homem mais procurado do mundo, não estava entocado numa remota região afegã, sob a proteção do Taleban, como durante anos os serviços de inteligência dos Estados Unidos da América (EUA) pareciam acreditar e os seus colegas paquistaneses asseguravam.

EIS por que nem mesmo o justificado júbilo pelo êxito da invasão do bunker da Al-Qaeda por forças especiais norte-americanas levadas de helicóptero, que culminou com a eliminação de Bin Laden no começo da madrugada do último Domingo, 01, pode disfarçar o mal-estar do governo norte-americano com a exposição pública do duplo papel do Paquistão na chamada guerra ao terror declarada pelo então presidente da República dos EUA (2001-08) George W. Bush, nos escombros do ataques de 11 de Setembro. Nestes quase 10 anos que se seguiram, o governo dos EUA elevaram a níveis sem precedentes os gastos militares com o seu aliado histórico no subcontinente asiático, além de despejar ali bilhões em programas de ajuda econômica e social.

AINDA assim, o governo daquele pais islâmico, peça-chave no tabuleiro diplomático norte-americano, nunca chegou a ser o parceiro confiável que o governo dos EUA desejava ter na tentativa de golpear a Al-Qaeda, cujos militantes se acostumaram a cruzar, sem ser molestados, áreas da fronteira afegã-paquistanesa, enquanto agentes do temível Serviço Secreto de Islamabad (ISI), olhavam para o outro lado. Em Agosto último, quando a CIA finalmente conseguiu mapear a localização de Bin Laden - dois anos depois de descobrir que o seu principal mensageiro vivia no Paquistão -, as relações entre os dois países já iam de mal a pior. Ao relutante engajamento paquistanês no combate à Al-Qaeda somavam-se graves divergências sobre o futuro do Afeganistão quando - ou se - o Taleban for neutralizado.

NO pronunciamento em que anunciou a morte de Bin Laden, na última hora da noite do último d
Domingo, 01, o presidente da República dos EUA, Barack Houssein Obama, se referiu à participação paquistanesa na busca do paradeiro do terrorista. Na realidade, os serviços norte-americanos de espionagem fizeram eles próprios todo o trabalho - e o governo norte-americano não compartilhou os resultados com ninguém. Mas os EUA continuam a depender do Paquistão (assim como da Rússia, por exemplo) para a logística da guerra afegã. Esse dado da realidade será inevitavelmente invocado nas novas pressões sobre o governo Barack Obama pela retirada norte-americana, sob o argumento de que o fim de Bin Laden representa um divisor de águas na agenda contraterrorista daquele país.

NA verdade, a única certeza a emergir da formidável proeza de do início desta semana é que o combalido governo democrata Barack Obama (2009-13) saiu das cordas onde a Oposição republicana parecia tê-lo confinado direto para a consagração - e a perspectiva da reeleição. Na campanha presidencial norte-americana de 2008, ele prometeu repetidas vezes que Osama seria morto no seu governo. Agora, poderia metaforicamente socar o ar e proclamar "Yes, we can!". (No que diz respeito à desacreditada CIA, é a pura verdade.) Mas não precisará fazer isso, como não fez na sóbria fala da noite do último Domingo, quando preferiu conclamar os norte-americanos a reencontrar o "senso de unidade" forjado pelos ataques de 11 de Setembro. A menos que o mundo vire de ponta-cabeça, nunca mais os detratores do presidente Obama poderão acusá-lo de ser um "líder fraco" aos olhos do mundo.

A AINDA incerta recuperação da economia norte-americana, com o nível de emprego se mantendo teimosamente num patamar inaceitável, constitui um obstáculo de monta para quem quer que fosse o titular de turno da Casa Branca. Em 1992, a economia fez o então presidente, George Bush (pai) perder a reeleição para Bill Clinton, um ano depois de vencer a Guerra do Golfo. Mas isso não se compara, no plano simbólico, ao impacto da liquidação da figura provavelmente mais odiada pelo povo norte-americano em todos os tempos. "Fez-se justiça", disse Obama. No imaginário do povo norte-americano, foi Barack Houssein Obama quem a fez.