Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, fevereiro 21, 2011

Ver para crer

RIO DE JANEIRO (RJ) - OUTROS dois funcionários de carreira foram escolhidos para a diretoria do Banco Central do Brasil (BC). O economista Altamir Lopes e o contabilista Sidnei Corrêa Marques juntam-se ao economista Alexandre Tombini para compor a nova diretoria colegiada do BC no governo Dilma Rousseff (2011-14), até agora integrada unicamente por funcionários experientes, de longa trajetória junto ao BC. A escolha obedeceu a critérios exclusivamente profissionais, técnicos e meritórios. Nenhum dos três foi apadrinhado por caciques do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) ou do Partido dos Trabalhadores (PT), tampouco alvos de disputa político-partidária.

DE RESTO como deveria acontecer com todo o segundo escalão da administração pública federal. Mas não é essa a realidade, e quem passou pelos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e de Luiz Inácio da Silva (2003-10), argumenta ser impossível governar e conseguir apoio dos partidos políticos em matérias votadas no Congresso sem, em troca, conceder favores, emendas ao orçamento e nomear apadrinhados. Se alguém imagina que a conduta do PMDB na votação do Salário Mínimo, na última Quarta-feira, 16, desmente essa sentença, espere a (salgada) conta quando a presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), reabrir a temporada de indicações para as estatais.

E ATÉ certo ponto a sentença é verdadeira e é seguida em outros países democráticos com regimes de representação política. Mas, no Brasil, ela é aplicada com enorme exagero, sem nenhum cuidado de proteger a boa gestão pública - focada na população, no cidadão comum -, em contraposição a outra, voltada a atender interesses partidários. Ao receber o apoio e a confiança de mais de 55 milhões de eleitores (caso da eleição de dona Rousseff), quem assume a Presidência da República passa a ter a obrigação de zelar por essa boa gestão, trazer pessoas capacitadas, criativas, com qualidades de honradez e caráter. Mas, infelizmente, a cada troca de governo o País presencia o deplorável espetáculo do loteamento político de cargos, protagonizado pelos caciques de sempre brilhando na ribalta, indicando seus protegidos e dando a eles a missão de operar em favor do partido e contra o País.

O ISOLAMENTO do BC da mesquinha disputa por cargos começou no governo Itamar Franco (1992-94), numa conjuntura em que era absolutamente imprescindível proteger o Plano Real e a nova moeda da fúria da inflação descontrolada que, por mais de três décadas, arruinou nossa economia. Primeiro presidente do BC já no governo Fernando Henrique Cardoso, o economista Pérsio Arida argumentou com o então presidente ser absolutamente indispensável isolar a diretoria do BC do jogo político e dar a ela autonomia de ação e gestão para fazer o que fosse preciso para preservar o real. Não conseguiu a autonomia em lei, mas, em seus oito anos de governo, Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), respeitou o trato com Arida e não interferiu nem na composição da diretoria nem em suas decisões. Nem quando o BC decretou intervenção no Banco Nacional, em 1995, que resultou em inquérito policial e bloqueio dos bens dos proprietários (a família Magalhães Pinto), o que prejudicou diretamente sua nora, então, herdeira do Banco Nacional.

AO ASSUMIR a Presidência da República, em 2003, Luiz Inácio da Silva (PT-SP) ouviu de seu presidente do BC, Henrique Meirelles (PMDB-GO), o mesmo trato de Arida. Concordou, respeitou, manteve diretores nomeados pornô governo Fernando Henrique Cardoso, não influenciou na escolha dos novos e não interferiu nem quando sua sagrada popularidade dependia da queda dos juros. Mas, como seu antecessor, Luiz Inácio da Silva não enviou Projeto de Lei ao Congresso Nacional formalizando autonomia do BC.

O BC, como autoridade monetária nacional, é parte de um conjunto de agências reguladoras às quais os governos delegam a função de regular e fiscalizar empresas privadas e estatais de setores que prestam serviços ao público. O BC atua no setor financeiro como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em energia elétrica; a Agência Nacional do Petróleo (ANP), no setor petrolífero; a Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel), em telecomunicações; a Agência Nacional de Águas (ANA), em recursos hídricos; a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), em transportes terrestres; a Agência Nacional de Saúde (ANS), em saúde; a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), em aviação civil; a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em vigilância sanitária; e a Agência Nacional de Cinema (Ancine), em Cinema. Para exercer sua função com a competência que a regulação desses setores requer, a agência precisa ter autonomia de ação e decisão e seus diretores, mandatos que os protejam contra retaliações de natureza política. É essa a receita para diretores da agência não temerem punições ao tomarem decisões que contrariem pedidos e recomendações de ministros de Estado, governadores de Estado e parlamentares. Assim funciona em todos os países que levam a sério a democracia.

PORÉM, no Brasil este modelo só é aplicado no BC. As demais agências reguladoras sofrem interferências indevidas de toda a classe política. Da escolha de seus diretores, sempre disputada pelos partidos, até corriqueiras decisões em favor de determinada empresa amiga de um governador, parlamentar ou prefeito municipal. Ao BC, a autonomia foi concedida em clima de vida ou morte à inflação, que antes sempre voltava em seguida a cada plano de estabilização. Para destruir a inflação, o Plano Real precisava provar ao mercado financeiro que a decisão de isolar o BC de influências políticas era pra valer, não tinha volta. Foi assim que o governo Fernando Henrique Cardoso neutralizou as especulações que nascem de dúvidas. E o mercado vive aproveitando cada brecha de dúvida ou falta de seriedade do governo para especular e ganhar dinheiro com oscilação de preços de ativos. Agora mesmo, não acreditou no corte de gastos de R$ 50 bilhões, porque não viu seriedade no seu cumprimento. Assim é no mundo inteiro. Cabe aos governos saberem se defender, não deixar brechas e criar antídotos contra ataques do mercado.

MANTER o BC longe de influências políticas foi extremamente positivo para o Brasil e seu povo. Passados 16 anos, é hoje uma prática consolidada. Políticos poderosos – governadores de Estado, presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou de partidos políticos - não se aventuram mais a indicar esse ou outro nome para o BC. Nem mesmo o presidente da República, a quem cabe a escolha, ousa entregar o cargo a um amigo, alguém que não seja respeitado e reconhecido como competente e sério no mercado. Como fez o ex-presidente de República, José Sarney (PMDB-AP), que nomeou e foi obrigado a demitir o amigo Elmo Camões, envolvido em escândalo financeiro no caso do especulador Naji Nahas no final dos anos 1980.

AGORA, ao reiniciar as nomeações do segundo escalão, se a presidente Rousseff conseguir levar a ferro e fogo a experiência do BC para as demais agências reguladoras e despolitizá-las, torná-las autônomas, nomear diretores por critérios de seriedade, competência técnica e probidade e mantê-las longe da troca de favores da classe política, ela dará um salto de enorme avanço político ao País e à democracia.