Disputa tresloucada
RIO DE JANEIRO (RJ) – ESTE espaço já manifestou o apoio ao candidato oposicionista à Presidência da República, José Serra (PSDB-SP) - e explicou com todas as letras por que. Naturalmente, portanto, recebemos com grande satisfação o resultado do primeiro turno da eleição presidencial deste ano. Ademais, o segundo turno tem o potencial de infundir no debate político a substância que dele esteve praticamente ausente no primeiro turno. E qualquer que venha a ser o desfecho da disputa - e aqui reiteramos nossa esperança no êxito do candidato que preferimos ver empossado em 1º de Janeiro no Palácio do Planalto, em Brasília (DF) -, se a campanha efetivamente ganhar densidade, o grande vencedor será o processo democrático, o amadurecimento do eleitorado e dos que lhe pedem o voto. Lamentavelmente, o contrário é que parece prevalecer. A sucessão foi raptada pelo ativismo dos grupos mais conservadores de diferentes denominações cristãs.
E À medida que se aproxima o dia do pleito, padres e pastores, por uma variedade de meios, exortaram os fiéis a não votar na candidata governista Dilma Wana Rousseff (PT-RS), sob a alegação de que, se eleita, patrocinará a liberação total do aborto. E aqui no ciberespaço a coisa anda ainda pior. Dona Rousseff tem sido execrada sob a falsa acusação de ter dito que nem mesmo Jesus Cristo impedirá o seu triunfo em 31 de Outubro. Atribuíram-lhe, ainda, a intenção de permitir o casamento gay e a adoção de crianças por casais homossexuais, caso seja eleita.
COM tudo isso, não apenas submeteram dona Rousseff a um verdadeiro auto de fé, obrigando-a a se penitenciar da suposta heresia, como alçaram à agenda eleitoral uma questão que não está na ordem do dia no País. Dos vários fatores responsáveis pelo declínio de Rousseff, ainda na véspera do primeiro turno, e a correspondente ascensão da candidatura Marina Silva (PV-AC), nas pesquisas e nas urnas, terá sido esse o mais importante, isoladamente. Se o tema não contaminasse a disputa, é duvidoso que se chegaria ao segundo turno, com a candidata do Partido Verde (PV) no papel de fiel da balança e os finalistas se contorcendo para se mostrar cada qual mais "a favor da vida" do que o outro.
É FATO que não há registro de manifestações do ex-governador do Estado de São Paulo "a favor do aborto", como se diz, numa brutal simplificação do assunto. Serra até chegou a dizer que a legalização do procedimento - além dos casos autorizados de gravidez resultante de estupro e situações de risco para a gestante - causaria um "morticínio". Isso não o poupou da fúria fundamentalista quando, ministro de Estado da Saúde (1999-2002), normatizou as condutas do Sistema Único de Saúde (SUS) em tais circunstâncias. Já Rousseff, na passagem hoje mais citada de uma entrevista concedida em 2007, considerou um "absurdo" que o aborto seja considerado crime no Brasil.
TAL afirmação, é bom que se diga aqui, não faz de dona Rousseff uma candidata pior ou melhor. Os critérios pelos quais se devem avaliar as credenciais dos aspirantes à chefia do governo são de toda outra natureza. Excluem a defesa ou a condenação de posições na esfera do comportamento individual em razão de convicções religiosas, ou da falta delas - salvo se o candidato prometer mudar a legislação para autorizar ou coibir determinada prática na órbita privada. Não foi o caso da ex-ministra-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República. De resto, o apoio à descriminalização do aborto está longe de ser unânime no seu partido - para não falar das legendas coligadas com o Partido dos Trabalhadores (PT).
E QUANDO um clérigo sustenta que o aborto deve ser proibido em qualquer hipótese, cabe aos seus correligionários agir, na vida real, de acordo ou em desacordo com esse ponto de vista. Trata-se de uma decisão de estrito foro íntimo. O que o sacerdote não pode querer é que o Estado laico – como é o caso do Estado Brasileiro (leiam a nossa Constituição, por obséquio!) se dobre aos dogmas de sua fé. O País já passou por esse debate quando tramitava no Congresso Nacional o projeto, afinal aprovado, permitindo experiências com células-tronco embrionárias para fins terapêuticos. Agora, na polêmica do aborto, a perspectiva do Estado só pode ser a da saúde pública - a interrupção da gravidez é a terceira causa de mortalidade materna neste grande e bobo País.
MAS ainda é tempo de "civilizar" esse segundo turno da eleição presidencial, resgatando-o da tutela religiosa. Para isso, a evangélica Marina Silva poderia dar uma contribuição excepcional. Ela, que não apelou para a religião em momento algum da campanha, tem plena autoridade moral para protestar contra a conversão de sentimentos religiosos em armas eleitorais.
QUANTO a temperatura das pesquisas de intenção de voto: todas elas divulgadas nos últimos dias (Instituto Datafolha, Instituto Vox Populi e Ibope) indicam que a candidatura Serra conseguiu reduzir para, em média, 6 pontos a vantagem de 15 com que a candidatura Rousseff saiu na frente ainda no primeiro turno. Foi o suficiente para disseminar o pânico nas hostes petistas. O que é compreensível, considerando que desde o mais anônimo militante até o vosso guia e chefão Luiz Inácio da Silva, todos os apoiadores da candidata governista davam a fatura eleitoral como liquidada e alardeavam que 03 de Outubro representaria apenas a formalidade de homologação de uma retumbante vitória.
OS EFEITOS dessa reversão de expectativa se tornaram evidentes já no primeiro debate do segundo turno, promovido pela TV Bandeirantes no Domingo passado, 10. Logo em sua primeira intervenção dona Rousseff partiu para o ataque aberto, violento, acusando Serra, sua esposa e os oposicionistas de modo geral de serem os responsáveis pela suposta campanha caluniosa movida contra ela na internet. Colocou-se assim a escolhida do “CARA!” na posição em que ele próprio, o vosso guia, sempre soube se instalar com muita competência, nos momentos de aperto: a da pobre vítima que jamais ataca, como é próprio dos malvados - nada disso, apenas exerce o direito de legítima defesa. Com a vantagem adicional de demonstrar que é uma mulher capaz de assumir atitudes firmes, corajosas.
QUANTO a essa questão da "firmeza", que quando fora de controle, como a própria candidata governista demonstrou na ocasião, descamba para a rispidez, o debate não revelou nada de novo. Rousseff sempre foi conhecida como uma pessoa rude e de difícil trato, especialmente com subordinados. Se a resposta não fosse evidente, seria até o caso de perguntar: se é para voltar a ser como sempre foi, por que então mudou durante o primeiro turno, fazendo o gênero "Dilminha paz e amor"? Produto construído no laboratório do marketing político da campanha governista?
AGORA, já que se refere às baixarias que rolam na internet, a ex-favorita absoluta à sucessão presidencial tem todo o direito de reclamar, mas é preciso colocar essa questão nos devidos termos. Em primeiro lugar, o óbvio: ataques caluniosos são desferidos de todos os lados e contra todos os candidatos e obedecem à tendência natural de se tornarem mais pesados com a polarização de uma campanha eleitoral. Embora em alguma medida essas baixarias possam ser manipuladas, quando não inspiradas, pelo comando das campanhas políticas - nesse assunto certamente não se pode colocar a mão no fogo por ninguém -, é claro que a maior parte desse comportamento condenável corre por conta de uma militância incontrolável composta por indivíduos ou grupos que usam a enorme sensação de poder que lhes confere a web para fazer a catarse de suas frustrações. É o tributo que se paga às inconsistências da democracia que ainda persistem no País. Ademais, Rousseff conhece o PT há tempo suficiente para saber que o ataque como melhor defesa, e sem nenhum escrúpulo, sempre foi a tática preferencial, uma autêntica marca registrada de seu atual partido - em períodos eleitorais ou fora deles.
E AINDA é risível a tentativa da candidata petista de incluir no balaio das calúnias de que se diz vítima fatos de domínio público sobre os quais não paira a menor dúvida, como o amplo noticiário sobre o tráfico de influência que a família de sua protegida Erenice Guerra (PT-SP) promoveu a partir do Palácio do Planalto, ou sobre seu constrangido vaivém na questão do aborto.
O DESEMPENHO de Rousseff no primeiro debate do segundo turno e nos dias subsequentes deixa clara a guinada tática na campanha petista: “Dilminha-paz-e-amor” virou a vítima indignada de boatos, calúnias e difamação. Indignada, mas não "agressiva". Apenas "firme". Já na última Segunda-feira, 11, na cidade-satélite de Ceilândia (DF), Luiz Inácio da Silva e sua candidata inauguraram o primeiro palanque do segundo turno e a "nova" Dilma mostrou ter assimilado as novas instruções: "Meu adversário faz uma campanha baseada no ódio, na boataria, na calúnia, na mentira e na falsidade. Ele não acusa de frente, olho no olho, não faz a disputa justa, leal e verdadeira”.
JÁ O vosso guia não perdeu a oportunidade para mais uma demonstração de suas inexcedíveis soberba e megalomania: "Eu poderia ter escolhido um deputado, um senador, um governador. Por que a Dilma? (...) A Dilma vai começar a redenção das mulheres no Brasil e no mundo (sic)."
POIS bem, agora está chegando o momento de o eleitor escolher.
E À medida que se aproxima o dia do pleito, padres e pastores, por uma variedade de meios, exortaram os fiéis a não votar na candidata governista Dilma Wana Rousseff (PT-RS), sob a alegação de que, se eleita, patrocinará a liberação total do aborto. E aqui no ciberespaço a coisa anda ainda pior. Dona Rousseff tem sido execrada sob a falsa acusação de ter dito que nem mesmo Jesus Cristo impedirá o seu triunfo em 31 de Outubro. Atribuíram-lhe, ainda, a intenção de permitir o casamento gay e a adoção de crianças por casais homossexuais, caso seja eleita.
COM tudo isso, não apenas submeteram dona Rousseff a um verdadeiro auto de fé, obrigando-a a se penitenciar da suposta heresia, como alçaram à agenda eleitoral uma questão que não está na ordem do dia no País. Dos vários fatores responsáveis pelo declínio de Rousseff, ainda na véspera do primeiro turno, e a correspondente ascensão da candidatura Marina Silva (PV-AC), nas pesquisas e nas urnas, terá sido esse o mais importante, isoladamente. Se o tema não contaminasse a disputa, é duvidoso que se chegaria ao segundo turno, com a candidata do Partido Verde (PV) no papel de fiel da balança e os finalistas se contorcendo para se mostrar cada qual mais "a favor da vida" do que o outro.
É FATO que não há registro de manifestações do ex-governador do Estado de São Paulo "a favor do aborto", como se diz, numa brutal simplificação do assunto. Serra até chegou a dizer que a legalização do procedimento - além dos casos autorizados de gravidez resultante de estupro e situações de risco para a gestante - causaria um "morticínio". Isso não o poupou da fúria fundamentalista quando, ministro de Estado da Saúde (1999-2002), normatizou as condutas do Sistema Único de Saúde (SUS) em tais circunstâncias. Já Rousseff, na passagem hoje mais citada de uma entrevista concedida em 2007, considerou um "absurdo" que o aborto seja considerado crime no Brasil.
TAL afirmação, é bom que se diga aqui, não faz de dona Rousseff uma candidata pior ou melhor. Os critérios pelos quais se devem avaliar as credenciais dos aspirantes à chefia do governo são de toda outra natureza. Excluem a defesa ou a condenação de posições na esfera do comportamento individual em razão de convicções religiosas, ou da falta delas - salvo se o candidato prometer mudar a legislação para autorizar ou coibir determinada prática na órbita privada. Não foi o caso da ex-ministra-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República. De resto, o apoio à descriminalização do aborto está longe de ser unânime no seu partido - para não falar das legendas coligadas com o Partido dos Trabalhadores (PT).
E QUANDO um clérigo sustenta que o aborto deve ser proibido em qualquer hipótese, cabe aos seus correligionários agir, na vida real, de acordo ou em desacordo com esse ponto de vista. Trata-se de uma decisão de estrito foro íntimo. O que o sacerdote não pode querer é que o Estado laico – como é o caso do Estado Brasileiro (leiam a nossa Constituição, por obséquio!) se dobre aos dogmas de sua fé. O País já passou por esse debate quando tramitava no Congresso Nacional o projeto, afinal aprovado, permitindo experiências com células-tronco embrionárias para fins terapêuticos. Agora, na polêmica do aborto, a perspectiva do Estado só pode ser a da saúde pública - a interrupção da gravidez é a terceira causa de mortalidade materna neste grande e bobo País.
MAS ainda é tempo de "civilizar" esse segundo turno da eleição presidencial, resgatando-o da tutela religiosa. Para isso, a evangélica Marina Silva poderia dar uma contribuição excepcional. Ela, que não apelou para a religião em momento algum da campanha, tem plena autoridade moral para protestar contra a conversão de sentimentos religiosos em armas eleitorais.
QUANTO a temperatura das pesquisas de intenção de voto: todas elas divulgadas nos últimos dias (Instituto Datafolha, Instituto Vox Populi e Ibope) indicam que a candidatura Serra conseguiu reduzir para, em média, 6 pontos a vantagem de 15 com que a candidatura Rousseff saiu na frente ainda no primeiro turno. Foi o suficiente para disseminar o pânico nas hostes petistas. O que é compreensível, considerando que desde o mais anônimo militante até o vosso guia e chefão Luiz Inácio da Silva, todos os apoiadores da candidata governista davam a fatura eleitoral como liquidada e alardeavam que 03 de Outubro representaria apenas a formalidade de homologação de uma retumbante vitória.
OS EFEITOS dessa reversão de expectativa se tornaram evidentes já no primeiro debate do segundo turno, promovido pela TV Bandeirantes no Domingo passado, 10. Logo em sua primeira intervenção dona Rousseff partiu para o ataque aberto, violento, acusando Serra, sua esposa e os oposicionistas de modo geral de serem os responsáveis pela suposta campanha caluniosa movida contra ela na internet. Colocou-se assim a escolhida do “CARA!” na posição em que ele próprio, o vosso guia, sempre soube se instalar com muita competência, nos momentos de aperto: a da pobre vítima que jamais ataca, como é próprio dos malvados - nada disso, apenas exerce o direito de legítima defesa. Com a vantagem adicional de demonstrar que é uma mulher capaz de assumir atitudes firmes, corajosas.
QUANTO a essa questão da "firmeza", que quando fora de controle, como a própria candidata governista demonstrou na ocasião, descamba para a rispidez, o debate não revelou nada de novo. Rousseff sempre foi conhecida como uma pessoa rude e de difícil trato, especialmente com subordinados. Se a resposta não fosse evidente, seria até o caso de perguntar: se é para voltar a ser como sempre foi, por que então mudou durante o primeiro turno, fazendo o gênero "Dilminha paz e amor"? Produto construído no laboratório do marketing político da campanha governista?
AGORA, já que se refere às baixarias que rolam na internet, a ex-favorita absoluta à sucessão presidencial tem todo o direito de reclamar, mas é preciso colocar essa questão nos devidos termos. Em primeiro lugar, o óbvio: ataques caluniosos são desferidos de todos os lados e contra todos os candidatos e obedecem à tendência natural de se tornarem mais pesados com a polarização de uma campanha eleitoral. Embora em alguma medida essas baixarias possam ser manipuladas, quando não inspiradas, pelo comando das campanhas políticas - nesse assunto certamente não se pode colocar a mão no fogo por ninguém -, é claro que a maior parte desse comportamento condenável corre por conta de uma militância incontrolável composta por indivíduos ou grupos que usam a enorme sensação de poder que lhes confere a web para fazer a catarse de suas frustrações. É o tributo que se paga às inconsistências da democracia que ainda persistem no País. Ademais, Rousseff conhece o PT há tempo suficiente para saber que o ataque como melhor defesa, e sem nenhum escrúpulo, sempre foi a tática preferencial, uma autêntica marca registrada de seu atual partido - em períodos eleitorais ou fora deles.
E AINDA é risível a tentativa da candidata petista de incluir no balaio das calúnias de que se diz vítima fatos de domínio público sobre os quais não paira a menor dúvida, como o amplo noticiário sobre o tráfico de influência que a família de sua protegida Erenice Guerra (PT-SP) promoveu a partir do Palácio do Planalto, ou sobre seu constrangido vaivém na questão do aborto.
O DESEMPENHO de Rousseff no primeiro debate do segundo turno e nos dias subsequentes deixa clara a guinada tática na campanha petista: “Dilminha-paz-e-amor” virou a vítima indignada de boatos, calúnias e difamação. Indignada, mas não "agressiva". Apenas "firme". Já na última Segunda-feira, 11, na cidade-satélite de Ceilândia (DF), Luiz Inácio da Silva e sua candidata inauguraram o primeiro palanque do segundo turno e a "nova" Dilma mostrou ter assimilado as novas instruções: "Meu adversário faz uma campanha baseada no ódio, na boataria, na calúnia, na mentira e na falsidade. Ele não acusa de frente, olho no olho, não faz a disputa justa, leal e verdadeira”.
JÁ O vosso guia não perdeu a oportunidade para mais uma demonstração de suas inexcedíveis soberba e megalomania: "Eu poderia ter escolhido um deputado, um senador, um governador. Por que a Dilma? (...) A Dilma vai começar a redenção das mulheres no Brasil e no mundo (sic)."
POIS bem, agora está chegando o momento de o eleitor escolher.
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